Sessão Coordenada 01 TRABALHO, EMANCIPAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO

RESUMOS EXPANDIDOS DAS SESSÕES COORDENADAS

Dia 26/10/2015 – Segunda-feira

14h às 15h45 – Sessão Coordenada 01
TRABALHO, EMANCIPAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO
COORDENADOR: PROF. DR. RODRIGO DE AZEVEDO WEIMER (FEE)

A importância dos apoios (religiosos, políticos e étnicos) na vida de Manoel Conceição da Silva Santos
Beatriz Ana Loner (Doutora em Sociologia – UFPel)
Palavras-chave: libertos - minas - Igreja Católica
Resumo expandido:
Esta comunicação faz parte de uma pesquisa sobre uma família afro descendente que residiu nas cidades de Pelotas e Rio Grande, durante os séculos XIX e XX, a família Silva Santos. A ideia é de investigar cinco gerações, desde a chegada da primeira geração, ainda escravizada em inícios do século XIX, até representantes escolhidos da quinta geração, com a data final em 2010. Portanto, trata-se de uma pesquisa de fôlego, a qual pretende investigar as formas e estratégias de inserção de seus membros na sociedade brasileira, os preconceitos que enfrentaram e também sua ativa participação nos movimentos trabalhista e político das duas cidades assinaladas acima. Para esta comunicação, vai-se analisar os apoios que o personagem focal dessa história Manoel da Silva Santos conseguiu amealhar e utilizou para sua trajetória de sucesso nas duas cidades entre 1831 e 1918. Resumidamente, Manoel nasceu escravo em Rio Grande, libertou-se apenas aos 20 anos e dedicou-se profissionalmente a construção civil na cidade de Pelotas, para a qual se mudou na década de 1860. Entre suas conquistas pessoais está o fato de haver sido liderança política da comunidade negra pelotense, membro do Partido Liberal, integrante da diretoria da Irmandade do Rosário por vários anos, liderança ativa da campanha abolicionista, tendo sido tesoureiro do Clube Abolicionista da cidade e fundador de associações de artesãos e do jornal A Voz do Escravo. Economicamente, teve sucesso em sua profissão, sustentando dez filhos e possuindo propriedades na cidade e morreu reconhecido pela comunidade negra, com amigos e conhecidos na elite política da cidade. Para quem nasceu escravo, é, sem dúvida, uma trajetória de sucesso. Nosso objetivo é analisar os vários instrumentos e instituições de que se utilizou para chegar a este patamar de respeitabilidade e sucesso econômico em sua vida pós alforria. Para tanto, pretendemos mostrar sua inserção junto a comunidade negra, que aconteceu em Rio Grande, entre os grupos que se reivindicavam de nação mina, como sua mãe. Tudo indica que Manoel foi membro respeitado da comunidade mina rio grandina, pelo seu círculo de amizades e compadrios. Já em Pelotas, o contexto foi mais generalizante, e ele comparece como um representante do conjunto da comunidade negra, situação que é acentuada pela sua participação religiosa e também política. Em um caso e outro, a participação nas irmandades do Rosário foi fundamental para constituir sua liderança. Trabalhamos com a hipótese, parcialmente confirmada, de que a proximidade com a Igreja católica, da qual foi fiel militante até sua morte, foi um elemento chave para a construção de sua carreira e para atenuar dificuldades que um liberto enfrentava na sociedade imperial. Por último, sua filiação política ao Partido Liberal e o fato que atuou participativamente como cabo eleitoral deste partido, serviu não só para ampliar sua rede de relacionamentos, mas também para impulsionar suas atividades como construtor civil. A força destes apoios torna-se mais marcante, quando vemos que, após a proclamação da República e com a guerra civil de 1893-1895, o fato que ele e seu grupo continuou fiel as lideranças partidárias gasparistas, teve reflexos imediatos em seus negócios, profissão e inclusive espaço de atuação, obrigando seus filhos a abandonarem Pelotas temporariamente e fixarem-se em Rio Grande, cidade na qual os federalistas encontraram maior espaço. Seus filhos mais velhos, dedicados a construção civil como ele, foram lutadores contra a discriminação racial, mas em seus caminhos encontraram muitos tropeços e empecilhos, perdendo o apoio tanto da Igreja, quanto de parcela da comunidade negra pelotense, sem falar que os quarenta anos de domínio do PRR terminaram por sufocar qualquer tentativa de participação na política local. Assim, sem os mesmos apoios que terminaram por tornar a vida de Manoel, um exemplo de sucesso entre os negros, seus descendentes terminaram por ter situações econômicas bem mais modestas. Os poucos já identificados, que tiveram sucesso sensível em suas carreiras, aproveitaram-se de oportunidades únicas e irrepetíveis ( caso de seu neto, Carlos Santos, sindicalista que se tornou deputado estadual classista na década de 1930 e seguiu a carreira política) e também puderam contar com o apoio fundamental da Igreja Católica ( Carlos Santos e João Mira, este último bisneto de Manoel e padre jesuíta).

Emancipação de escravos e controle sobre trabalhadores libertos: os registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre (1884 – 1888)
Bruna Emerim Krob (Mestranda em História – UFRGS)
Palavras-chave: escravidão - liberdade - polícia - alforrias - Porto Alegre
Resumo expandido:
A presente comunicação faz parte da pesquisa de mestrado em curso que parte da emancipação de escravos ocorrida da província do Rio Grande do Sul em 1884 para buscar perceber as relações estabelecidas por libertos em Porto Alegre no mundo do trabalho entre aquele ano e a promulgação da Lei Áurea. O movimento abolicionista empreendido na província quatro anos antes do fim da escravidão no Império levou a cabo uma estratégia de emancipação adotada pelas elites locais que, em um momento em que a escravidão se encaminhava para o fim e que as pressões escravas forçavam alguma medida, permitia simultaneamente declarar os cativos livres e seguir utilizando sua força de trabalho. Tal estratégia consistiu na concessão de alforrias condicionadas à prestação de serviços. De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, até 30 de junho de 1885, teriam sido alforriados 29.031 dos 60.136 escravos na província um ano antes, sendo que desses, 66,5% receberam alforrias condicionais. Em Porto Alegre, entre 1884 e 1888, dos 1.088 alforriados registrados em cartório, 77% tiveram a liberdade condicionada à prestação de serviços, sendo que, dos demais, 17%, tiveram alforrias ditas sem ônus ou condição e 5,8%, pagas. Para tanto, analisamos os registros de prisões e solturas da Cadeia Civil de Porto Alegre tendo por objetivo perceber como aquela estratégia de emancipação se deu no cotidiano dos trabalhadores libertos. Tais registros encontram-se nos códices da Secretaria de Polícia da Província do Rio Grande do Sul entre 1884 e 1888, concentrados principalmente a partir de 1886, quando as informações sobre a cadeia passaram a ser remetidas a chefatura de polícia quase que diariamente. Interessados nos delitos miúdos do cotidiano de indivíduos ligados ao cativeiro, aqueles que não chegam às instâncias superiores dos tribunais, e na maioria das vezes sequer viram inquéritos policiais, buscamos através desses documentos toda e qualquer menção à escravos e libertos e, para ampliar nosso espectro de análise, todos os registros que se referiam a pretos, pardos, crioulos e africanos. Chegamos ao total de 408 indivíduos, sendo 66,2% homens e 33,8%, mulheres. Desses, 85 indivíduos foram identificados como libertos, tendo sido 70 deles (82,3%) alforriados sob condição de prestação de serviços. Ao analisar os qualificativos raciais que designavam os indivíduos não brancos que davam entrada e saída da cadeia, bem como sua condição jurídica e delitos cometidos, chegamos a resultados que permitem deslindar parte das várias disputas travadas por egressos da escravidão e seus ex-senhores em torno das distintas visões do que seria a vida em liberdade. Na Porto Alegre do final do século XIX vemos, então, um cenário urbano repleto de indivíduos que, tal como os libertos contratados, viviam sob condições intermediárias entre a escravidão e a liberdade, a testar os limites impostos pelos antigos senhores e tensionando as margens de sua liberdade. Embora a alforria condicional fosse marcada de laços de continuidade com o cativeiro, e que seus termos expressassem a vontade senhorial de que fossem mantidos os laços de dependência pessoal e gratidão, concretizados no trabalho, a agência dos indivíduos percebida a partir dos registros policiais não permite entendê-la como sinônimo de escravidão. O que se vê através daqueles vestígios documentais são indivíduos se esforçando em fazer valer o seu entendimento de que, embora ainda houvessem elos que os prendiam ao cativeiro, já não eram escravos. Sob um olhar mais amplo, a análise dos registros policiais demonstra a vigilância e a repressão exercida sobre aquele grupo de trabalhadores como tentativa de manutenção do controle social em um momento em que o poder moral baseado nas relações escravistas e o domínio senhorial desintegravam-se. Em contrapartida, ao analisarmos os tipos de delitos cometidos por escravizados, forros, livres de cor e seus descendentes, percebemos sua tentativa de ocupação do espaço urbano e de exercício de uma maior margem de autonomia, frequentemente transgredindo a ordem almejada pelo poder público. Conforme Walter Fraga Filho, o modo como os ex-escravos atribuíram significado à liberdade afetou a relação com antigos senhores e modificou os padrões de relações sociais. “No seu cotidiano, os ex-escravos procuraram demarcar limites e expressar a diferença entre o passado de escravidão e a liberdade.” (2006, p. 246).

Referências bibliográficas:
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). São Paulo: Editora da Unicamp, 2006.
RELATÓRIO... Relatório do Ministério da Agricultura de 30 de abril de 1885 e Relatório do Ministério da Agricultura de 14 de maio de 1886 apud ARAÚJO, 2015, p. 289.

“Patrão da gente, nunca eles ficam contentes, quanto mais a gente faz, mais eles querem”: as relações de trabalho, família e migração de uma comunidade quilombola no Rio Grande do Sul
Maria do Carmo Moreira Aguilar (Doutoranda em História – UFRGS)
Palavras-chave: Comunidades Remanescentes de Quilombos - migração - trabalho
Resumo expandido:
Neste texto proponho apresentar os resultados obtidos na pesquisa que resultou em minha dissertação de mestrado e que teve como objetivo central analisar o período de itinerância, ocorrido entre 1940 e 1960, de um grupo familiar residente no quilombo Rincão dos Caixões, localizado no município de Jacuízinho, situado no planalto médio do Rio Grande do Sul. Esta coletividade tem sua origem em outro território negro, denominado Sítio Novo/Linha Fão, localizado no município de Arroio do Tigre. Esta área fora doada em meados de 1910 por um grande fazendeiro a uma família de libertos, que permaneceu em sua propriedade no pós-abolição. A onda de migrações do grupo se iniciou devido à expropriação de parte deste território e estas famílias negras se transformaram em uma massa de trabalhadores, em contínuos deslocamentos pela região, oferecendo mão de obra. Ao abordar a questão das migrações verifiquei: As estratégias desenvolvidas pelo grupo na busca por postos de trabalho; as relações familiares tecidas neste contexto de constantes deslocamentos; e a recuperação da estabilidade perdida. A delimitação temporal focalizou-se entre 1940 (momento da perda de parte do território) e 1960 (quando a família se fixou na área do quilombo Rincão dos Caixões). O período delimitado, no entanto, recuou para o final da escravidão (1870-1890) para reconstituir o contexto de territorialidades negras na região em questão. No período analisado as fazendas da região do planalto, em sua maioria, eram destinadas à cultura da pecuária e agricultura, com destaque para o trigo e as plantações de gêneros alimentícios destinados à economia regional. Há ainda a indústria da banha, que apesar de ter perdido espaço para a produção de trigo e posteriormente para a soja, figurou durante várias décadas como principal produto de exportação do Rio Grande do Sul e apesar da crise na produção, não deixou de ser produzida no Estado. Remunerações em banha foram evocadas nas entrevistas e perseguiram as famílias em seus percursos errantes. A pesquisa Foi conduzida no quilombo Rincão dos Caixões e por algumas vezes se estendeu ao território original (Sítio Novo/Linha Fão) e ao terceiro núcleo familiar (quilombo Júlio Borges). Neste empreendimento optei pela utilização e cruzamento de fontes escritas e fontes orais, acreditando na importância da complementaridade desses dois corpos documentais e na riqueza de dados que o diálogo entre ambas pode proporcionar, ampliando, com isso as possibilidades de elucidação do problema de pesquisa. Foram realizadas um total de 30 entrevistas, com o objetivo de mapear as trajetórias das famílias e assim tentar responder as perguntas que nortearam a pesquisa. Utilizei testamentos que tivessem doações de terras a ex-escravos ou escravos, na tentativa de mapear a incidência deste tipo de doação na região. Também percorri a bibliografia para tentar conjecturar as possíveis intenções dos proprietários no ato dessas doações. Estas doações estão situadas entre a dádiva ou estratégia de aprisionamento da mão de obra negra? Ou ainda, seriam uma forma de ocupação das áreas limítrofes das propriedades e assim proteger suas fronteiras? Pesquisei também inventários post-mortem e alguns processos-crime a fim de montar o quebra-cabeça das possíveis trajetórias dos antepassados do grupo no período pós-abolição, que não raro tomavam corpo nas narrativas. Assim, a pesquisa com fontes escritas e orais, possibilitou a reconstituição de alguns aspectos deste contexto de desagregação do escravismo e pós-abolição, no qual os pais e avós dos entrevistados estavam inseridos. Mesmo considerando que as experiências específicas sempre levam em conta uma série de fatores, como contexto e tipo de trabalho que variam de região para região, dentre outros, em alguns momentos do texto aproximei a trajetória do grupo ao que Mattos e Rios (2005:252), em estudo sobre os descendentes da última geração de escravos do Vale do Paraíba, denominaram de campesinato negro itinerante. A perda do território ocupado e a migração forçada das famílias do Rincão dos Caixões e as do vale do Paraíba se aproximavam. As famílias pesquisadas pelas autoras se dividiam em dois extremos, uma massa de trabalhadores itinerantes (com relações de trabalho instáveis, em deslocamentos contínuos à procura de estabilidade) e aquelas que conseguiam se fixar via contrato informal de parceira (pressuposto de estabilidade, uma territorialização via posse de áreas de plantio cedidas pelos proprietários). E neste ponto iniciou-se meu problema, que foi o de pesquisar essas relações de trabalho a fim de verificar se o trabalho em parceria, recorrente no meu universo de pesquisa, também fora sinônimo de estabilidade e até que ponto essas categorias de trabalho se distinguiam. Será que para os quilombolas do Rincão dos Caixões houve essa distinção entre trabalhadores itinerantes e os parceiros? Para responder a essas questões mapeei as jornadas de trabalho, as atividades por eles desempenhadas, os tipos de categorias de trabalho e remunerações de cada uma, cruzando estas narrativas com alguns dados socioeconômicos da região no período em questão. A pesquisa demonstrou que em meu universo de pesquisa, não há como dividir as experiências das famílias pesquisadas em dois extremos. As categorias de trabalho se misturam, sendo que por vezes estes trabalhadores exerciam mais de uma categoria, eles poderiam ser parceiros (ter uma moradia em determinada propriedade, prestar serviços para o proprietário e serem também itinerantes, se deslocando pela região oferecendo mão de obra) ou serem agregados (outro pressuposto de estabilidade), mas não terem permissão para plantar suas roças de subsistência. Constatei ainda a capacidade destas famílias em transformar as constantes migrações em mecanismo de resistência. Em algumas ocasiões o deslocamento das propriedades foi uma forma de se contrapor às tentativas de aprisionamento do trabalho negro, como relatam as famílias, quase aos moldes do cativeiro. Se em um primeiro momento a itinerância foi uma obrigação, em decorrência da expropriação territorial, ao longo da trajetória as famílias reapropriaram e a transformaram em forma de resistência, uma arma para combater os excessos cometidos pelos proprietários. No que tange a relação com a terra e com o território original, me fiz as seguintes perguntas: em contexto de diáspora ocorreu a perda do apego ao território anteriormente ocupado? Os símbolos impressos naquele território se perderam no ato da expropriação? O território foi entendido como a apropriação do espaço através de todo gênero de ação empreendida sobre ele (a apropriação pode ser econômica, política, cultural), como um espaço onde se efetuou ou se concretizou um trabalho. Percebi que as famílias deixaram o território físico, mas carregaram consigo uma territorialidade que é simbólica. Desta forma, os signos, a cultura, os modos de vida impressos no espaço que o transforma em território, não se perdeu e acompanhou os itinerantes em suas andarilhagens, sendo impressas no novo espaço ocupado. Nas relações familiares, minha questão era verificar como estas se reproduziam. Em um contexto de continuas migrações, os elos seriam desfeitos? Será que eles desapareceriam enquanto comunidade? Percebi que estas comunidades não desaparecem ou se desfazem com a perda da área em que habitam. Há nestas famílias, mesmo em contexto de constantes deslocamentos a necessidade do retorno ao antigo território. Elas saíram do Sítio, mas os vínculos permaneceram e sempre que possível eles retornavam para rever os que ficaram, os laços familiares não se desfizeram. Os entrevistados afirmavam que o território atual é o seu território, mas o Sítio também. É quase uma fusão em um único território. Então tem-se a conformação de três áreas físicas (três espaços) em municípios diferentes, mas que se fundem em um único território simbólico, onde circula a memória de uma ancestralidade comum e a noção de territorialidade.
Referências:
MATTOS, Hebe Maria; RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós- abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
RÜCKERT, A.A. Metamorfoses do Território: a agricultura de trigo/soja no planalto médio rio-grandense 1930-1990. Porto Alegre: UFRGS EDITORA, 2003. p. 112.

“As pessoas não tinham o direito de falar na vista deles. Era, sim senhor e não senhor”: camponeses negros e arrozeiros, nas lavouras de arroz, do litoral do Rio Grande do Sul, no século XX
Claudia Daiane Garcia Molet (Doutoranda em História – UFRGS)
Palavras-chave: campesinato negro - relações de trabalho - arrozeiros
Resumo expandido:
Nessa comunicação tenho o objetivo de analisar as relações de trabalho nas lavouras de arroz, do litoral do Rio Grande do Sul. Além disso, busco compreender algumas vivências dos camponeses negros com os vizinhos orizicultores que ocasionaram em negociações e com elas perdas de porções de imóveis. Para isso, foco nos campesinatos de Teixeiras e do Limoeiro, durante o século XX, especialmente a partir da década de 1960, período que ocorreu a intensificação do plantio daquele produto. Os camponeses investigados são ancestrais das atuais comunidades remanescentes quilombolas de Teixeiras e do Limoeiro, localizadas nos municípios de Mostardas e de Palmares do Sul, respectivamente. Essas terras situam-se na estreita faixa entre a laguna dos Patos e o Oceano Atlântico, compreendendo atualmente os municípios de São José do Norte, Tavares, Mostardas e Palmares do Sul. Nesse recorte espacial passou o Caminho das Tropas, construído no século XVIII, que, posteriormente, serviu de base para o traçado da “Estrada do Inferno” que ligava Osório a São José do Norte. A estrada recebeu esse nome porque não possuía as mínimas condições de mobilidade: sem asfaltamento, sem manutenção e formada por uma grande quantidade de areia que em dias de chuva multiplicava os transtornos daqueles que necessitavam utilizá-la. Com o desenvolvimento econômico, do litoral, nas décadas de 1960 e de 1970, impulsionado pelas lavouras de arroz e pelas plantações de cebola, os debates referentes à necessidade de asfaltamento da “Estrada do Inferno” ficaram mais acirrados, porém foram necessários quase 30 anos para que a obra fosse realizada e a “Estrada do Inferno” passasse a ser denominada de “Estrada do Paraíso”, ainda que por um curtíssimo período. Entre os produtos cultivados no litoral, no começo do século XX, destacavam-se a cebola, o milho, o feijão e a soja. O arroz foi introduzido na década de 1930, mas foi somente a partir da década de 1960 que a produção aumentou. Com a emancipação de Mostardas, do município de São José do Norte, em 1963, os interesses dos produtores que necessitavam escoar a plantação para outras localidades, emergem nas páginas dos jornais. Importante destacar que as lavouras e os orizicultores trouxeram novas relações de trabalho para os camponeses negros, pois os arrozeiros passaram a disputar os terrenos alagadiços que anteriormente tinham baixo valor econômico e estavam na posse, principalmente, do campesinato negro. Além disso, muitos camponeses negros foram trabalhar nas lavouras de arroz. Um trabalho árduo, com manipulação diária de veneno e com refeições precárias. Conforme relembra o quilombola do Limoeiro S. Manoel Boeira “As pessoas não tinham o direito de falar na vista deles. Era, sim senhor e não senhor”. A partir desse relato nota-se os desmandos dos empregadores que não ofereciam as mínimas condições de trabalho e ainda não possibilitavam o questionamento dos trabalhadores. São inúmeras as recordações dos quilombolas sobre as atividades desempenhadas nas lavouras de arroz e as tensas relações com os vizinhos arrozeiros. A temática dessa comunicação, justifica-se a partir da necessidade de compreensão dessas novas relações de trabalho que surgem juntamente com as lavouras de arroz, soma-se a isso a questão referente às terras do campesinato negro que tinham um baixo valor econômico, em decorrência do quase isolamento geográfico do litoral e principalmente por que tais imóveis eram geralmente localizados em áreas alagadiças, porém com o aumento de sua produção, tais terras impróprias para o cultivo de batata, milho, entre outros “produtos do seco” despertaram o interesse dos novos arrozeiros ávidos por expandir suas lavouras. Para analisar as questões apresentadas será utilizada a metodologia da História Oral, sendo assim, a partir da entrevistas com os atuais remanescentes quilombolas de Teixeiras e do Limoeiro pretende-se investigar as memórias das relações de trabalho e das negociações das terras. Além das entrevistas outras fontes serão utilizadas como jornais e processos. A hipótese principal é que as relações de trabalho entre os camponeses negros e os arrozeiros, marcadas pelos excessos de serviço e pela precariedade do mesmo, pode ter influenciado na hora das negociações das terras, ou seja, os arrozeiros podem ter utilizado sua posição de empregador para pressionar a venda de parcelas de terras.


 RESUMOS EXPANDIDOS DAS SESSÕES COORDENADAS

Dia 26/10/2015 – Segunda-feira

14h às 15h45 – Sessão Coordenada 01
TRABALHO, EMANCIPAÇÃO E PÓS-ABOLIÇÃO
COORDENADOR: PROF. DR. RODRIGO DE AZEVEDO WEIMER (FEE)

A importância dos apoios (religiosos, políticos e étnicos) na vida de Manoel Conceição da Silva Santos
Beatriz Ana Loner (Doutora em Sociologia – UFPel)
Palavras-chave: libertos - minas - Igreja Católica
Resumo expandido:
Esta comunicação faz parte de uma pesquisa sobre uma família afro descendente que residiu nas cidades de Pelotas e Rio Grande, durante os séculos XIX e XX, a família Silva Santos. A ideia é de investigar cinco gerações, desde a chegada da primeira geração, ainda escravizada em inícios do século XIX, até representantes escolhidos da quinta geração, com a data final em 2010. Portanto, trata-se de uma pesquisa de fôlego, a qual pretende investigar as formas e estratégias de inserção de seus membros na sociedade brasileira, os preconceitos que enfrentaram e também sua ativa participação nos movimentos trabalhista e político das duas cidades assinaladas acima. Para esta comunicação, vai-se analisar os apoios que o personagem focal dessa história Manoel da Silva Santos conseguiu amealhar e utilizou para sua trajetória de sucesso nas duas cidades entre 1831 e 1918. Resumidamente, Manoel nasceu escravo em Rio Grande, libertou-se apenas aos 20 anos e dedicou-se profissionalmente a construção civil na cidade de Pelotas, para a qual se mudou na década de 1860. Entre suas conquistas pessoais está o fato de haver sido liderança política da comunidade negra pelotense, membro do Partido Liberal, integrante da diretoria da Irmandade do Rosário por vários anos, liderança ativa da campanha abolicionista, tendo sido tesoureiro do Clube Abolicionista da cidade e fundador de associações de artesãos e do jornal A Voz do Escravo. Economicamente, teve sucesso em sua profissão, sustentando dez filhos e possuindo propriedades na cidade e morreu reconhecido pela comunidade negra, com amigos e conhecidos na elite política da cidade. Para quem nasceu escravo, é, sem dúvida, uma trajetória de sucesso. Nosso objetivo é analisar os vários instrumentos e instituições de que se utilizou para chegar a este patamar de respeitabilidade e sucesso econômico em sua vida pós alforria. Para tanto, pretendemos mostrar sua inserção junto a comunidade negra, que aconteceu em Rio Grande, entre os grupos que se reivindicavam de nação mina, como sua mãe. Tudo indica que Manoel foi membro respeitado da comunidade mina rio grandina, pelo seu círculo de amizades e compadrios. Já em Pelotas, o contexto foi mais generalizante, e ele comparece como um representante do conjunto da comunidade negra, situação que é acentuada pela sua participação religiosa e também política. Em um caso e outro, a participação nas irmandades do Rosário foi fundamental para constituir sua liderança. Trabalhamos com a hipótese, parcialmente confirmada, de que a proximidade com a Igreja católica, da qual foi fiel militante até sua morte, foi um elemento chave para a construção de sua carreira e para atenuar dificuldades que um liberto enfrentava na sociedade imperial. Por último, sua filiação política ao Partido Liberal e o fato que atuou participativamente como cabo eleitoral deste partido, serviu não só para ampliar sua rede de relacionamentos, mas também para impulsionar suas atividades como construtor civil. A força destes apoios torna-se mais marcante, quando vemos que, após a proclamação da República e com a guerra civil de 1893-1895, o fato que ele e seu grupo continuou fiel as lideranças partidárias gasparistas, teve reflexos imediatos em seus negócios, profissão e inclusive espaço de atuação, obrigando seus filhos a abandonarem Pelotas temporariamente e fixarem-se em Rio Grande, cidade na qual os federalistas encontraram maior espaço. Seus filhos mais velhos, dedicados a construção civil como ele, foram lutadores contra a discriminação racial, mas em seus caminhos encontraram muitos tropeços e empecilhos, perdendo o apoio tanto da Igreja, quanto de parcela da comunidade negra pelotense, sem falar que os quarenta anos de domínio do PRR terminaram por sufocar qualquer tentativa de participação na política local. Assim, sem os mesmos apoios que terminaram por tornar a vida de Manoel, um exemplo de sucesso entre os negros, seus descendentes terminaram por ter situações econômicas bem mais modestas. Os poucos já identificados, que tiveram sucesso sensível em suas carreiras, aproveitaram-se de oportunidades únicas e irrepetíveis ( caso de seu neto, Carlos Santos, sindicalista que se tornou deputado estadual classista na década de 1930 e seguiu a carreira política) e também puderam contar com o apoio fundamental da Igreja Católica ( Carlos Santos e João Mira, este último bisneto de Manoel e padre jesuíta).

Emancipação de escravos e controle sobre trabalhadores libertos: os registros policiais da Cadeia Civil de Porto Alegre (1884 – 1888)
Bruna Emerim Krob (Mestranda em História – UFRGS)
Palavras-chave: escravidão - liberdade - polícia - alforrias - Porto Alegre
Resumo expandido:
A presente comunicação faz parte da pesquisa de mestrado em curso que parte da emancipação de escravos ocorrida da província do Rio Grande do Sul em 1884 para buscar perceber as relações estabelecidas por libertos em Porto Alegre no mundo do trabalho entre aquele ano e a promulgação da Lei Áurea. O movimento abolicionista empreendido na província quatro anos antes do fim da escravidão no Império levou a cabo uma estratégia de emancipação adotada pelas elites locais que, em um momento em que a escravidão se encaminhava para o fim e que as pressões escravas forçavam alguma medida, permitia simultaneamente declarar os cativos livres e seguir utilizando sua força de trabalho. Tal estratégia consistiu na concessão de alforrias condicionadas à prestação de serviços. De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, até 30 de junho de 1885, teriam sido alforriados 29.031 dos 60.136 escravos na província um ano antes, sendo que desses, 66,5% receberam alforrias condicionais. Em Porto Alegre, entre 1884 e 1888, dos 1.088 alforriados registrados em cartório, 77% tiveram a liberdade condicionada à prestação de serviços, sendo que, dos demais, 17%, tiveram alforrias ditas sem ônus ou condição e 5,8%, pagas. Para tanto, analisamos os registros de prisões e solturas da Cadeia Civil de Porto Alegre tendo por objetivo perceber como aquela estratégia de emancipação se deu no cotidiano dos trabalhadores libertos. Tais registros encontram-se nos códices da Secretaria de Polícia da Província do Rio Grande do Sul entre 1884 e 1888, concentrados principalmente a partir de 1886, quando as informações sobre a cadeia passaram a ser remetidas a chefatura de polícia quase que diariamente. Interessados nos delitos miúdos do cotidiano de indivíduos ligados ao cativeiro, aqueles que não chegam às instâncias superiores dos tribunais, e na maioria das vezes sequer viram inquéritos policiais, buscamos através desses documentos toda e qualquer menção à escravos e libertos e, para ampliar nosso espectro de análise, todos os registros que se referiam a pretos, pardos, crioulos e africanos. Chegamos ao total de 408 indivíduos, sendo 66,2% homens e 33,8%, mulheres. Desses, 85 indivíduos foram identificados como libertos, tendo sido 70 deles (82,3%) alforriados sob condição de prestação de serviços. Ao analisar os qualificativos raciais que designavam os indivíduos não brancos que davam entrada e saída da cadeia, bem como sua condição jurídica e delitos cometidos, chegamos a resultados que permitem deslindar parte das várias disputas travadas por egressos da escravidão e seus ex-senhores em torno das distintas visões do que seria a vida em liberdade. Na Porto Alegre do final do século XIX vemos, então, um cenário urbano repleto de indivíduos que, tal como os libertos contratados, viviam sob condições intermediárias entre a escravidão e a liberdade, a testar os limites impostos pelos antigos senhores e tensionando as margens de sua liberdade. Embora a alforria condicional fosse marcada de laços de continuidade com o cativeiro, e que seus termos expressassem a vontade senhorial de que fossem mantidos os laços de dependência pessoal e gratidão, concretizados no trabalho, a agência dos indivíduos percebida a partir dos registros policiais não permite entendê-la como sinônimo de escravidão. O que se vê através daqueles vestígios documentais são indivíduos se esforçando em fazer valer o seu entendimento de que, embora ainda houvessem elos que os prendiam ao cativeiro, já não eram escravos. Sob um olhar mais amplo, a análise dos registros policiais demonstra a vigilância e a repressão exercida sobre aquele grupo de trabalhadores como tentativa de manutenção do controle social em um momento em que o poder moral baseado nas relações escravistas e o domínio senhorial desintegravam-se. Em contrapartida, ao analisarmos os tipos de delitos cometidos por escravizados, forros, livres de cor e seus descendentes, percebemos sua tentativa de ocupação do espaço urbano e de exercício de uma maior margem de autonomia, frequentemente transgredindo a ordem almejada pelo poder público. Conforme Walter Fraga Filho, o modo como os ex-escravos atribuíram significado à liberdade afetou a relação com antigos senhores e modificou os padrões de relações sociais. “No seu cotidiano, os ex-escravos procuraram demarcar limites e expressar a diferença entre o passado de escravidão e a liberdade.” (2006, p. 246).

Referências bibliográficas:
FRAGA FILHO, Walter. Encruzilhada da liberdade: histórias de escravos e libertos na Bahia (1870-1910). São Paulo: Editora da Unicamp, 2006.
RELATÓRIO... Relatório do Ministério da Agricultura de 30 de abril de 1885 e Relatório do Ministério da Agricultura de 14 de maio de 1886 apud ARAÚJO, 2015, p. 289.

“Patrão da gente, nunca eles ficam contentes, quanto mais a gente faz, mais eles querem”: as relações de trabalho, família e migração de uma comunidade quilombola no Rio Grande do Sul
Maria do Carmo Moreira Aguilar (Doutoranda em História – UFRGS)
Palavras-chave: Comunidades Remanescentes de Quilombos - migração - trabalho
Resumo expandido:
Neste texto proponho apresentar os resultados obtidos na pesquisa que resultou em minha dissertação de mestrado e que teve como objetivo central analisar o período de itinerância, ocorrido entre 1940 e 1960, de um grupo familiar residente no quilombo Rincão dos Caixões, localizado no município de Jacuízinho, situado no planalto médio do Rio Grande do Sul. Esta coletividade tem sua origem em outro território negro, denominado Sítio Novo/Linha Fão, localizado no município de Arroio do Tigre. Esta área fora doada em meados de 1910 por um grande fazendeiro a uma família de libertos, que permaneceu em sua propriedade no pós-abolição. A onda de migrações do grupo se iniciou devido à expropriação de parte deste território e estas famílias negras se transformaram em uma massa de trabalhadores, em contínuos deslocamentos pela região, oferecendo mão de obra. Ao abordar a questão das migrações verifiquei: As estratégias desenvolvidas pelo grupo na busca por postos de trabalho; as relações familiares tecidas neste contexto de constantes deslocamentos; e a recuperação da estabilidade perdida. A delimitação temporal focalizou-se entre 1940 (momento da perda de parte do território) e 1960 (quando a família se fixou na área do quilombo Rincão dos Caixões). O período delimitado, no entanto, recuou para o final da escravidão (1870-1890) para reconstituir o contexto de territorialidades negras na região em questão. No período analisado as fazendas da região do planalto, em sua maioria, eram destinadas à cultura da pecuária e agricultura, com destaque para o trigo e as plantações de gêneros alimentícios destinados à economia regional. Há ainda a indústria da banha, que apesar de ter perdido espaço para a produção de trigo e posteriormente para a soja, figurou durante várias décadas como principal produto de exportação do Rio Grande do Sul e apesar da crise na produção, não deixou de ser produzida no Estado. Remunerações em banha foram evocadas nas entrevistas e perseguiram as famílias em seus percursos errantes. A pesquisa Foi conduzida no quilombo Rincão dos Caixões e por algumas vezes se estendeu ao território original (Sítio Novo/Linha Fão) e ao terceiro núcleo familiar (quilombo Júlio Borges). Neste empreendimento optei pela utilização e cruzamento de fontes escritas e fontes orais, acreditando na importância da complementaridade desses dois corpos documentais e na riqueza de dados que o diálogo entre ambas pode proporcionar, ampliando, com isso as possibilidades de elucidação do problema de pesquisa. Foram realizadas um total de 30 entrevistas, com o objetivo de mapear as trajetórias das famílias e assim tentar responder as perguntas que nortearam a pesquisa. Utilizei testamentos que tivessem doações de terras a ex-escravos ou escravos, na tentativa de mapear a incidência deste tipo de doação na região. Também percorri a bibliografia para tentar conjecturar as possíveis intenções dos proprietários no ato dessas doações. Estas doações estão situadas entre a dádiva ou estratégia de aprisionamento da mão de obra negra? Ou ainda, seriam uma forma de ocupação das áreas limítrofes das propriedades e assim proteger suas fronteiras? Pesquisei também inventários post-mortem e alguns processos-crime a fim de montar o quebra-cabeça das possíveis trajetórias dos antepassados do grupo no período pós-abolição, que não raro tomavam corpo nas narrativas. Assim, a pesquisa com fontes escritas e orais, possibilitou a reconstituição de alguns aspectos deste contexto de desagregação do escravismo e pós-abolição, no qual os pais e avós dos entrevistados estavam inseridos. Mesmo considerando que as experiências específicas sempre levam em conta uma série de fatores, como contexto e tipo de trabalho que variam de região para região, dentre outros, em alguns momentos do texto aproximei a trajetória do grupo ao que Mattos e Rios (2005:252), em estudo sobre os descendentes da última geração de escravos do Vale do Paraíba, denominaram de campesinato negro itinerante. A perda do território ocupado e a migração forçada das famílias do Rincão dos Caixões e as do vale do Paraíba se aproximavam. As famílias pesquisadas pelas autoras se dividiam em dois extremos, uma massa de trabalhadores itinerantes (com relações de trabalho instáveis, em deslocamentos contínuos à procura de estabilidade) e aquelas que conseguiam se fixar via contrato informal de parceira (pressuposto de estabilidade, uma territorialização via posse de áreas de plantio cedidas pelos proprietários). E neste ponto iniciou-se meu problema, que foi o de pesquisar essas relações de trabalho a fim de verificar se o trabalho em parceria, recorrente no meu universo de pesquisa, também fora sinônimo de estabilidade e até que ponto essas categorias de trabalho se distinguiam. Será que para os quilombolas do Rincão dos Caixões houve essa distinção entre trabalhadores itinerantes e os parceiros? Para responder a essas questões mapeei as jornadas de trabalho, as atividades por eles desempenhadas, os tipos de categorias de trabalho e remunerações de cada uma, cruzando estas narrativas com alguns dados socioeconômicos da região no período em questão. A pesquisa demonstrou que em meu universo de pesquisa, não há como dividir as experiências das famílias pesquisadas em dois extremos. As categorias de trabalho se misturam, sendo que por vezes estes trabalhadores exerciam mais de uma categoria, eles poderiam ser parceiros (ter uma moradia em determinada propriedade, prestar serviços para o proprietário e serem também itinerantes, se deslocando pela região oferecendo mão de obra) ou serem agregados (outro pressuposto de estabilidade), mas não terem permissão para plantar suas roças de subsistência. Constatei ainda a capacidade destas famílias em transformar as constantes migrações em mecanismo de resistência. Em algumas ocasiões o deslocamento das propriedades foi uma forma de se contrapor às tentativas de aprisionamento do trabalho negro, como relatam as famílias, quase aos moldes do cativeiro. Se em um primeiro momento a itinerância foi uma obrigação, em decorrência da expropriação territorial, ao longo da trajetória as famílias reapropriaram e a transformaram em forma de resistência, uma arma para combater os excessos cometidos pelos proprietários. No que tange a relação com a terra e com o território original, me fiz as seguintes perguntas: em contexto de diáspora ocorreu a perda do apego ao território anteriormente ocupado? Os símbolos impressos naquele território se perderam no ato da expropriação? O território foi entendido como a apropriação do espaço através de todo gênero de ação empreendida sobre ele (a apropriação pode ser econômica, política, cultural), como um espaço onde se efetuou ou se concretizou um trabalho. Percebi que as famílias deixaram o território físico, mas carregaram consigo uma territorialidade que é simbólica. Desta forma, os signos, a cultura, os modos de vida impressos no espaço que o transforma em território, não se perdeu e acompanhou os itinerantes em suas andarilhagens, sendo impressas no novo espaço ocupado. Nas relações familiares, minha questão era verificar como estas se reproduziam. Em um contexto de continuas migrações, os elos seriam desfeitos? Será que eles desapareceriam enquanto comunidade? Percebi que estas comunidades não desaparecem ou se desfazem com a perda da área em que habitam. Há nestas famílias, mesmo em contexto de constantes deslocamentos a necessidade do retorno ao antigo território. Elas saíram do Sítio, mas os vínculos permaneceram e sempre que possível eles retornavam para rever os que ficaram, os laços familiares não se desfizeram. Os entrevistados afirmavam que o território atual é o seu território, mas o Sítio também. É quase uma fusão em um único território. Então tem-se a conformação de três áreas físicas (três espaços) em municípios diferentes, mas que se fundem em um único território simbólico, onde circula a memória de uma ancestralidade comum e a noção de territorialidade.
Referências:
MATTOS, Hebe Maria; RIOS, Ana Lugão. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós- abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
RÜCKERT, A.A. Metamorfoses do Território: a agricultura de trigo/soja no planalto médio rio-grandense 1930-1990. Porto Alegre: UFRGS EDITORA, 2003. p. 112.

“As pessoas não tinham o direito de falar na vista deles. Era, sim senhor e não senhor”: camponeses negros e arrozeiros, nas lavouras de arroz, do litoral do Rio Grande do Sul, no século XX
Claudia Daiane Garcia Molet (Doutoranda em História – UFRGS)
Palavras-chave: campesinato negro - relações de trabalho - arrozeiros
Resumo expandido:
Nessa comunicação tenho o objetivo de analisar as relações de trabalho nas lavouras de arroz, do litoral do Rio Grande do Sul. Além disso, busco compreender algumas vivências dos camponeses negros com os vizinhos orizicultores que ocasionaram em negociações e com elas perdas de porções de imóveis. Para isso, foco nos campesinatos de Teixeiras e do Limoeiro, durante o século XX, especialmente a partir da década de 1960, período que ocorreu a intensificação do plantio daquele produto. Os camponeses investigados são ancestrais das atuais comunidades remanescentes quilombolas de Teixeiras e do Limoeiro, localizadas nos municípios de Mostardas e de Palmares do Sul, respectivamente. Essas terras situam-se na estreita faixa entre a laguna dos Patos e o Oceano Atlântico, compreendendo atualmente os municípios de São José do Norte, Tavares, Mostardas e Palmares do Sul. Nesse recorte espacial passou o Caminho das Tropas, construído no século XVIII, que, posteriormente, serviu de base para o traçado da “Estrada do Inferno” que ligava Osório a São José do Norte. A estrada recebeu esse nome porque não possuía as mínimas condições de mobilidade: sem asfaltamento, sem manutenção e formada por uma grande quantidade de areia que em dias de chuva multiplicava os transtornos daqueles que necessitavam utilizá-la. Com o desenvolvimento econômico, do litoral, nas décadas de 1960 e de 1970, impulsionado pelas lavouras de arroz e pelas plantações de cebola, os debates referentes à necessidade de asfaltamento da “Estrada do Inferno” ficaram mais acirrados, porém foram necessários quase 30 anos para que a obra fosse realizada e a “Estrada do Inferno” passasse a ser denominada de “Estrada do Paraíso”, ainda que por um curtíssimo período. Entre os produtos cultivados no litoral, no começo do século XX, destacavam-se a cebola, o milho, o feijão e a soja. O arroz foi introduzido na década de 1930, mas foi somente a partir da década de 1960 que a produção aumentou. Com a emancipação de Mostardas, do município de São José do Norte, em 1963, os interesses dos produtores que necessitavam escoar a plantação para outras localidades, emergem nas páginas dos jornais. Importante destacar que as lavouras e os orizicultores trouxeram novas relações de trabalho para os camponeses negros, pois os arrozeiros passaram a disputar os terrenos alagadiços que anteriormente tinham baixo valor econômico e estavam na posse, principalmente, do campesinato negro. Além disso, muitos camponeses negros foram trabalhar nas lavouras de arroz. Um trabalho árduo, com manipulação diária de veneno e com refeições precárias. Conforme relembra o quilombola do Limoeiro S. Manoel Boeira “As pessoas não tinham o direito de falar na vista deles. Era, sim senhor e não senhor”. A partir desse relato nota-se os desmandos dos empregadores que não ofereciam as mínimas condições de trabalho e ainda não possibilitavam o questionamento dos trabalhadores. São inúmeras as recordações dos quilombolas sobre as atividades desempenhadas nas lavouras de arroz e as tensas relações com os vizinhos arrozeiros. A temática dessa comunicação, justifica-se a partir da necessidade de compreensão dessas novas relações de trabalho que surgem juntamente com as lavouras de arroz, soma-se a isso a questão referente às terras do campesinato negro que tinham um baixo valor econômico, em decorrência do quase isolamento geográfico do litoral e principalmente por que tais imóveis eram geralmente localizados em áreas alagadiças, porém com o aumento de sua produção, tais terras impróprias para o cultivo de batata, milho, entre outros “produtos do seco” despertaram o interesse dos novos arrozeiros ávidos por expandir suas lavouras. Para analisar as questões apresentadas será utilizada a metodologia da História Oral, sendo assim, a partir da entrevistas com os atuais remanescentes quilombolas de Teixeiras e do Limoeiro pretende-se investigar as memórias das relações de trabalho e das negociações das terras. Além das entrevistas outras fontes serão utilizadas como jornais e processos. A hipótese principal é que as relações de trabalho entre os camponeses negros e os arrozeiros, marcadas pelos excessos de serviço e pela precariedade do mesmo, pode ter influenciado na hora das negociações das terras, ou seja, os arrozeiros podem ter utilizado sua posição de empregador para pressionar a venda de parcelas de terras.