RESUMOS
EXPANDIDOS DAS SESSÕES COORDENADAS
Dia
27/10/2015 – Terça-feira
15h45 às
17h30 – Sessão Coordenada
10
TRABALHO, MEMÓRIA E HISTÓRIA ORAL
COORDENADOR:
PROF. DRA. ISABEL BILHÃO
(UNISINOS)
A repressão política sobre os trabalhadores: o caso Manoel Fiel Filho e a memória das violações de direitos humanos como patrimônio cultural
Diego
Oliveira de Souza (Doutorando
em História – UFSM/Ministério Público)
Palavras-chave: repressão política – trabalhadores - memória das
violações de direitos humanos
Resumo
expandido:
Esta pesquisa, amparada em robusta documentação
judicial e extrajudicial, enfatiza o episódio da repressão política exercida
sobre os trabalhadores durante a Ditadura Civil-Militar através do assassinato
do operário metalúrgico Manoel Fiel Filho, militante do Partido Comunista
Brasileiro (PCB), em 1976, destacando a tentativa oficial de encobrir as reais
circunstâncias de sua morte e a possibilidade de se tratar a memória daquele
episódio como patrimônio cultural, capaz de ser amparado pela tutela judicial. Partindo
do Caso Manoel Fiel Filho, objetiva-se investigar a forma como órgãos do Poder
Judiciário brasileiro se relacionam com a justiça de transição e a defesa da
memória das violações de direitos humanos praticadas contra trabalhadores
durante a Ditadura Civil-Militar. Em especial, trata-se da constituição dos
lugares de memória da violência estatal, ao mesmo tempo em que se procura
defender a hipótese de que tais lugares possam ser considerados bens culturais
destinados à reparação simbólica das vítimas e à produção de conhecimento
histórico. Para atender esta demanda, formulou-se a seguinte questão: qual é a
forma jurídico-política adotada pela democracia brasileira, para promover a
responsabilização e a reparação aos abusos de direitos humanos, praticados
contra o operário Manoel Fiel Filho, no ano de 1976? Ademais, a justificativa
para a realização desta investigação historiográfica decorre do fato de que a
morte de Manoel Fiel Filho, nas dependências do DOI/CODI/II Exército, não é lembrada,
pelo Estado brasileiro, de forma a colaborar com o conjunto de medidas de
reparação às violações de direitos humanos, perpetradas no período de
1964-1985. Nesse sentido, a memória constituída do período da Ditadura
Civil-Militar, relativa às mortes dos operários Virgílio Gomes da Silva,
assassinado em 1969, e Manoel Fiel Filho, assassinado em 1976, é pobre em
informações sobre os registros dos responsáveis por suas mortes em dependências
funcionais do Exército Brasileiro. Com isto, evidencia-se o desenvolvimento de
um processo de ocultação das reais causas de suas mortes. Na opinião de Elio
Gaspari, por exemplo, Virgílio Gomes da Silva, “virou um personagem ora
secundário, ora embrutecido”, ao tempo em que “a morte de Manoel Fiel Filho é
pouco lembrada”, nos registros das memórias do período (1997, p. 115).
Portanto, é oportuno reconstituir historicamente as circunstâncias que levaram
ao assassinato do operário metalúrgico, tendo em vista que ele não tinha
antecedentes criminais nem registros nos órgãos de repressão política, sendo
detido em 16 de janeiro de 1976, sem qualquer ordem escrita ou investigação
formal contra ele. Para atender a demanda desta pesquisa, buscou-se através do
levantamento de fontes documentais judiciais e extrajudiciais elementos capazes
de definir a relação de órgãos do Poder Judiciário nacional com a resolução
judicial do conflito envolvendo a ocultação das reais causas da morte do
operário metalúrgico nas dependências do DOI/CODI/II Exército. Desse modo,
destaca-se entre as fontes documentais utilizadas: Inquérito Policial Militar
(IPM), Termos de Inquirição de Testemunhas, Laudo de Exame de Local e Encontro
de Cadáver, Laudo de Exame de Corpo de Delito, Petições Iniciais de Ações
Judiciais e Decisões Judiciais. A
concepção teórico-metodológica utilizada parte da noção de memórias das
violações de direitos humanos da Ditadura Civil-Militar, enquanto bem cultural
merecedor de tutela judicial como patrimônio cultural brasileiro, agregada ao
conceito de justiça de transição e seu marco histórico definido pelo filósofo
Jon Elster. Desse modo, adere-se a tese jurídica de que os equipamentos
públicos permanentes destinados à memória da violação de direitos humanos como
lugar de memória podem ser vinculados à previsão constitucional dos espaços
destinados à manifestação cultural (art. 216, inc. IV da Constituição Federal
de 1988) ou dos sítios de valor cultural ou de interesse arqueológico como bens
integrantes do patrimônio cultural brasileiro (art. 216, inc. V da Constituição
Federal de 1988). Na visão de dois pesquisadores sobre os lugares de memória da
Ditadura Civil-Militar, “o termo lugar de memória também delimita com maior
clareza o bem que se deseja proteger, permitindo uma atuação administrativa que
lhe destine verbas orçamentárias específicas, que caracterize seus elementos
constitutivos, seus traços diferenciadores e até mesmo seus valores de
referência que o ligam à memória, à identidade e ação do povo brasileiro”
(SOARES; QUINALHA, 2011, p. 82). De outro lado, a justiça transicional ou
justiça de transição, enquanto fenômeno social pode ser percebida tanto sobre a
perspectiva histórica quanto jurídica. A reflexão sobre a vulnerabilidade dos
direitos humanos no Brasil, durante 1964-1985, não pode escusar-se de apreciar
a motivação da justiça de transição para promover o acerto de contas com o
passado ditatorial. Por isso, enfatiza-se a compreensão de Jon Elster sobre o
fenômeno da justiça de transição, no momento em que o filósofo assevera que a
motivação para o desenvolvimento de tal fenômeno, ao longo da História,
baseia-se em uma tríade integrada pela (a) razão como concepção de justiça, (b)
interesse e (c) emoção (ELSTER, 2006, p. 101-102). Dos desdobramentos desta pesquisa, evidencia-se
que o IPM instaurado para investigar as circunstâncias da morte de Manoel Fiel
Filho, em 1976, conseguiu deixar claro que junto com o operário se encontravam
presos arbitrariamente outros trabalhadores, membros do PCB. Tal fato ilustra a
forma como a repressão política da Ditadura Civil-Militar se voltava contra a
organização política dos trabalhadores de forma sistemática e generalizada.
Ademais, das medidas judiciais propostas para reparar e responsabilizar os
envolvidos no assassinato do operário Manoel Fiel Filho, aquela que será capaz de
trazer significativa mudança, no sentido de delinear uma política de memória
estatal, voltada para a formação da memória histórica das violações de direitos
humanos, do período de 1964-1985, trata-se da condenação da União Federal e do
Estado de São Paulo, correspondente a inclusão da divulgação dos fatos
relativos à morte do operário, em equipamentos públicos permanentes destinados
à memória das violações de direitos humanos. Deste modo, o conhecimento
histórico das violações de direitos humanos pode ser constituído por meio dos
lugares de memória, os quais devem ser concebidos como bens merecedores de
tutela judicial como patrimônio cultural brasileiro, tendo em vista a previsão
constitucional do art. 216, inciso IV e V.
Referências Bibliográficas:
ELSTER, Jon. Rendición
de cuentas: la justicia transicional em perspectiva histórica. Buenos
Aires: Katz, 2006.
GASPARI, Elio. O que é isso, companheiro? O operário se deu mal. In. REIS FILHO, Daniel Aarão (Org.). Versões e ficções: O seqüestro da História. São Paulo: Perseu Abramo, 1997; SOARES, Inês Virgínia P.
GASPARI, Elio. O que é isso, companheiro? O operário se deu mal. In. REIS FILHO, Daniel Aarão (Org.). Versões e ficções: O seqüestro da História. São Paulo: Perseu Abramo, 1997; SOARES, Inês Virgínia P.
QUINALHA, Renan Honório. Lugares de Memória no
cenário brasileiro da justiça de transição. Revista
Internacional de Direito e Cidadania, n. 10, p. 75-86, junho/2011.
Trajetórias
dos Operários da Unidade de Produção de Pintainhos
Lucinéia
Fagnani (Mestra em
História – UNIOESTE)
Palavras-chave: Experiência, trajetória de vida e trabalho, memória.
Resumo
expandido:
Atualmente os meios de comunicação enaltecem a
indústria como etapa superior do desenvolvimento da "sociedade
santa-helenense" (jornais locais, emissoras de rádio, órgãos públicos). A
versão hegemônica da industrialização tem significado submeter-se à condição
operária como "um beneficio", designando os trabalhadores
desempregados, que normalmente são denominados como
"desqualificados", "mão de obra" ou "população".
Esses trabalhadores, ao terem seus contratos firmados com os patrões, são
chamados de empregados, funcionários, colaboradores ou mesmo de
"auxiliares de produção", como é o caso dos trabalhadores da Unidade
Produção de Pintainhos. Ocorre que, como nos chama a atenção Raymond Willians
(1979), as denominações, os conceitos, as noções ou categorias são carregados
de história.
A vida dos trabalhadores é constituída de distintas trajetórias de trabalho. Alguns nasceram no campo e, em busca de meios de sobrevivência, deslocaram para outras regiões e outros países, ou mesmo do campo para a cidade. As trajetórias deles variam entre: proprietários rurais que vivenciaram a experiência de desapropriação da Itaipu, posseiros e boias-frias no Paraguai, filhos de proprietários rurais que buscam o assalariamento na indústria ou na cidade, trabalhadores rurais diaristas, mensalistas e por pagos por empreita dos lotes de produção, normalmente nas atividades avícolas, de gado leiteiro e na avicultura de corte. Nas suas experiências nas ocupações urbanas, normalmente passaram por: serviços domésticos, na construção civil, no atendimento comercial ou higienização em lugares de intensa circulação de pessoas, na construção de estradas e outras em atividades terceirizadas na agroindústria e no serviço público. Esta pesquisa, desenvolvida na experiência de mestrado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em trabalho com variadas fontes históricas. Para este apresentação o recorte metodológico abordará o uso entrevista oral realizadas com os trabalhadores da Unidade de Produção de Pintainho. A problematização aborda a significação dos trabalhadores acerca de suas escolhas dentro das margens de possibilidades que encontravam na sua condição de classe.
Os resultados desta reflexão permitiu a compreensão sobre como a trajetória de vida e trabalho destes operários reconstroem a vivencia da classe trabalhadora da Região Oeste do Paraná e do Leste do Paraguai, evidenciando como os diferentes significados perpassam esse sujeito genérico da ideologia dominante. O objeto de análise histórica são as experiências de trabalho dos operários da avicultura na cidade de Santa Helena- Paraná, 2006-2013.Nesta pesquisa, a memória é analisada apresenta como um campo de possibilidades, onde o trabalhador significa os limites e pressões que constroem os espaços das relações de classe, e direcionam suas experiências históricas. Os enredos de suas vidas apresentam as possibilidades de emprego, os sonhos de transformados pelas condições materiais, como as limitações impostas a saúde foram fundamentais para rever projetos de vida, como a família é importante para a criação de novos meios de sobrevivência, como a realidade trás a recordação das frustrações de outros sonhos, como as expectativas e as nostalgias de outros tempos são meios de contraposição com a dureza de viver no campo dominado pelo agronegócio; como a experiência se contrapõem ao discurso, mostrando as limitações de ter uma profissão, mas não ter condições de viver desta ocupação. Estas e outras questões são apresentadas como desafios da experiência desta classe trabalhadora. Suas memórias são os meios de problematizar e contrapor outras visões do processo histórico de industrialização avícola positivado pela ideologia hegemônica.
A vida dos trabalhadores é constituída de distintas trajetórias de trabalho. Alguns nasceram no campo e, em busca de meios de sobrevivência, deslocaram para outras regiões e outros países, ou mesmo do campo para a cidade. As trajetórias deles variam entre: proprietários rurais que vivenciaram a experiência de desapropriação da Itaipu, posseiros e boias-frias no Paraguai, filhos de proprietários rurais que buscam o assalariamento na indústria ou na cidade, trabalhadores rurais diaristas, mensalistas e por pagos por empreita dos lotes de produção, normalmente nas atividades avícolas, de gado leiteiro e na avicultura de corte. Nas suas experiências nas ocupações urbanas, normalmente passaram por: serviços domésticos, na construção civil, no atendimento comercial ou higienização em lugares de intensa circulação de pessoas, na construção de estradas e outras em atividades terceirizadas na agroindústria e no serviço público. Esta pesquisa, desenvolvida na experiência de mestrado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, em trabalho com variadas fontes históricas. Para este apresentação o recorte metodológico abordará o uso entrevista oral realizadas com os trabalhadores da Unidade de Produção de Pintainho. A problematização aborda a significação dos trabalhadores acerca de suas escolhas dentro das margens de possibilidades que encontravam na sua condição de classe.
Os resultados desta reflexão permitiu a compreensão sobre como a trajetória de vida e trabalho destes operários reconstroem a vivencia da classe trabalhadora da Região Oeste do Paraná e do Leste do Paraguai, evidenciando como os diferentes significados perpassam esse sujeito genérico da ideologia dominante. O objeto de análise histórica são as experiências de trabalho dos operários da avicultura na cidade de Santa Helena- Paraná, 2006-2013.Nesta pesquisa, a memória é analisada apresenta como um campo de possibilidades, onde o trabalhador significa os limites e pressões que constroem os espaços das relações de classe, e direcionam suas experiências históricas. Os enredos de suas vidas apresentam as possibilidades de emprego, os sonhos de transformados pelas condições materiais, como as limitações impostas a saúde foram fundamentais para rever projetos de vida, como a família é importante para a criação de novos meios de sobrevivência, como a realidade trás a recordação das frustrações de outros sonhos, como as expectativas e as nostalgias de outros tempos são meios de contraposição com a dureza de viver no campo dominado pelo agronegócio; como a experiência se contrapõem ao discurso, mostrando as limitações de ter uma profissão, mas não ter condições de viver desta ocupação. Estas e outras questões são apresentadas como desafios da experiência desta classe trabalhadora. Suas memórias são os meios de problematizar e contrapor outras visões do processo histórico de industrialização avícola positivado pela ideologia hegemônica.
Trabalho,
espaço e mudança social: impactos da construção da RS-13 na Serra do Botucaraí
– RS (anos 50 e 60)
Elvis
Patrik Katz (Graduando em História - FURG)
Palavras-chave: BR-386 - história oral - trabalho.
Resumo
expandido:
INTRODUÇÃO
Atualmente, a BR-386 é importante via de ligação
entre a capital gaúcha e o norte do Rio Grande do Sul. Nos anos 50 e 60, período
em que foi construída, ela significou um projeto de integração nacional através
das rodovias, bem como uma possibilidade de escoamento para a rica produção
agrícola advinda do interior do estado. A RS-13 (nome original) causou inúmeras
transformações nas regiões por onde passou, incluindo a chamada Serra do
Botucaraí, região que incluí os municípios atuais de São José do Herval e de
Pouso Novo.
OBJETIVOS
Esse texto tem por objetivo refletir sobre os impactos socioeconômicos provocados pela obra na região, abordando especialmente os âmbitos do comércio, do consumo e da produção agropecuária. Espera-se também verificar as formas pelas quais a mudança no espaço habitado pode engendrar novas relações sociais entre os moradores locais.
Esse texto tem por objetivo refletir sobre os impactos socioeconômicos provocados pela obra na região, abordando especialmente os âmbitos do comércio, do consumo e da produção agropecuária. Espera-se também verificar as formas pelas quais a mudança no espaço habitado pode engendrar novas relações sociais entre os moradores locais.
JUSTIFICATIVA
Dois argumentos centrais justificam a elaboração da pesquisa que se apresenta: o ineditismo e a relevância social que os resultados podem trazer aos afetados pela rodovia. O ineditismo, em primeiro lugar, é importante no sentido de renovar a prática historiográfica, contribuindo para a descoberta de temas ou abordagens ainda pouco investigados. Já a questão social é importante porque liga-se com a identidade dos moradores; estes, que sofrem os positivos e os negativos efeitos da RS-13, tem ligação especial com as localidades que habitam, vivendo um dilema quanto ao real, ou efetivo, progresso que a rodovia lhes trouxe.
Dois argumentos centrais justificam a elaboração da pesquisa que se apresenta: o ineditismo e a relevância social que os resultados podem trazer aos afetados pela rodovia. O ineditismo, em primeiro lugar, é importante no sentido de renovar a prática historiográfica, contribuindo para a descoberta de temas ou abordagens ainda pouco investigados. Já a questão social é importante porque liga-se com a identidade dos moradores; estes, que sofrem os positivos e os negativos efeitos da RS-13, tem ligação especial com as localidades que habitam, vivendo um dilema quanto ao real, ou efetivo, progresso que a rodovia lhes trouxe.
FONTES E METODOLOGIA
As fontes utilizadas resultam de quatro entrevistas
obtidas por meio da metodologia da História Oral. Tal conjunto de testemunhas
constitui-se de moradores das margens da rodovia que ali residem desde a
pavimentação da RS-13. São quatro depoentes, entre 60 e 75 anos, que
compartilham memórias ligadas ao passado de sua comunidade e como esta foi
transformada pela construção da rodovia. Suas entrevistas foram semi-dirigidas
por um questionário de vinte questões, de modo que as gravações somam mais de
139 minutos de áudio.
RESULTADOS
Os primeiros resultados são fruto de uma análise
inicial das fontes e que será aprofundada conforme os referenciais
bibliográficos forem ampliados e fontes de outro tipo forem acrescentadas ao
longo da pesquisa. Atualmente, indicam-se duas esferas de alteração em que a
RS-13 foi mais importante, são elas: o comércio e a produção agropecuária.
Quanto ao comércio, notabiliza-se que no período anterior havia apenas um
comerciante por comunidade, responsável por recolher toda a produção e vende-la
aos comerciantes de fora da região. Assim, com a realização da rodovia e a
considerável melhoria nas condições estruturais do transporte rompe-se essa
situação quase de monopólio comercial, de modo que vendedores e compradores de
todos os tipos e lugares invadem a colônia em busca de seus produtos e
potencial mercado consumidor. A produção agropecuária possui duas subseções:
com relação à agricultura, cultivava-se de milho, soja, feijão, mandioca,
arroz, abóbora, batata, lentilha e batata doce. A maioria dessa produção
permanece a mesma, com a ressalva de que aumentaram o número de compradores
para as mercadorias. A exceção talvez esteja no milho, que certamente teve sua
produção impactada pela diminuição na criação de suínos. Conforme foi apurado,
era prática muito comum a criação desses animais tanto para a venda como para o
consumo das famílias, sendo a base alimentar desses animais muito comumente o
milho. Com o passar do tempo, as “integrações”, que são grandes empresas
voltadas para a criação desses animais (também para a obtenção de leite e
criação de frangos para corte) acabou minando o comércio de suínos feito por
esses moradores, tendo em vista que os animais das “integrações” são
alimentados com produtos mais eficientes do ponto de vista da engorda e acabam
custando bem menos ao consumidor final.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações sociais estabelecidas no passado da
região dão conta de uma localidade praticamente isolada das cidades, com uma
produção de subsistência real e que se voltava para o mundo urbano apenas em
períodos esporádicos. Os transportes a cavalo ou a pé impediam maiores conexões
com outras realidades, fortalecendo a integração social dentro da própria
comunidade; espaços como a igreja e o campo de futebol faziam comunidades
unidas tanto por laços de sangue como de cumplicidade. Com a instauração da
rodovia, os pequenos trajetos entre as famílias ficaram mais raros, atravessar
ou caminhar as margens de uma estrada na qual veículos grandes e pequenos
trafegam a mais de 100 km por hora tornou tudo mais perigoso. Os atropelamentos
e os acidentes chegaram aos poucos e foram ficando constantes, a sensação de
angústia parece ter abatido os moradores que hoje tem seu próprio automóvel,
mas estão muito menos próximos de seus vizinhos do que dos centros comerciais e
políticos urbanos.
A
memória da classe trabalhadora e a cidade em mutação: o caso do Bairro Floresta
e do Quarto Distrito em Porto Alegre.
Frederico
Duarte Bartz (Doutor em
História – UFRGS)
Palavras-chave: Porto Alegre - memória operária - revitalização urbana
Resumo
expandido:
Neste trabalho pretendo problematizar a memória da
classe trabalhadora (especialmente dos trabalhadores organizados) e os projetos
de revitalização de áreas urbanas. Vou tratar mais especificamente de uma área
de Porto Alegre que engloba os bairros Floresta, São Geraldo, São João, São
Geraldo e Navegantes, que tiveram uma forte presença de operários industriais
no final do século XIX e princípio do século XX, sofrendo ao longo das últimas
décadas um processo de degradação urbana e que agora é alvo de diversos
projetos de revitalização. O Bairro Floresta e o Quarto Distrito (São Geraldo,
São João, São Geraldo e Navegantes) foram importantes espaços de concentração
industrial e moradia de operários do final do século XIX até a primeira metade
do século XX. Nesta região foram erguidas as primeiras grandes fábricas da
cidade (como a FIATECI, o Moinho Chaves e a Cervejaria Bopp), espaços de
moradia para trabalhadores (como o Conjunto Residencial Vila Flores), mas
também espaços de ação política (como a Livraria Internacional, a Allgemeiner
Arbeitverein e diversas sedes da FORGS). Este é um espaço muito importante para
a memória dos trabalhadores organizados da capital. Ao longo do século XX,
porém, ocorreu um processo de saída das fábricas e de abandono por parte do
poder público, com o apagamento desta memória. Mais recentemente, se
intensificou o interesse por aquela área, principalmente por artistas e
produtores culturais, que veem nesta região um local privilegiado para
construir um “distrito criativo”. Por outro lado, também se intensifica o
debate sobre as consequências da especulação imobiliária e o efeito destrutivo
sobre o conjunto urbano. O processo de intervenção urbana se iniciou de forma
mais sistemática no ano de 2003, quando a antiga fábrica da Cervejaria Bopp, na
Avenida Cristovão Colombo, foi instalado um shopping center que dinamizou a
economia daquela área. Em anos mais recentes, no terreno da fábrica da
Companhia Fiação de Tecidos Porto-Alegrense (FIATECI) foi construído, faz
alguns anos atrás, um grande condomínio. O antigo Conjunto Residencial Vila
Flores, que abrigava os trabalhadores da Fábrica Wallig, foi ocupado por um
grupo de artistas e agentes ligados à cultura, que estão transformando aquele
espaço em uma nova referência cultural para a cidade. Uma intervenção urbana
que promete ter um impacto global sobre toda aquela região é a duplicação da
Avenida Voluntários da Pátria, que ficará pronta (conforme as previsões em
2016). Para além destes projetos, existem muitos outros que estão sendo
pensados, alguns deles em contradição uns com outros, mas todos tendo em vista
a valorização urbana daquele local. A intervenção que está sendo realizada
provoca uma valorização (e um forte encarecimento) daquele espaço. Quais serão
as consequências globais desta mudança estrutural? Neste ponto devemos
questionar um processo que pode levar à gentrificação e ao apagamento da
memória dos trabalhadores que ali viveram durante muito tempo. Quais seriam as
medidas possíveis para tornar visível a memória do trabalho em um espaço onde
está se dando um processo de elitização? A memória da classe trabalhadora de
Porto Alegre é constantemente negligenciada, tanto que não temos monumentos,
nem marcos históricos, que indiquem a existência pretérita de sindicatos, de
associações ou de partidos. É como se toda uma memória permanecesse soterrada
sob a capa da história oficial, esperando para ser problematizada. No caso
específico do Bairro Floresta e do Quarto Distrito, as mudanças estruturais
podem ajudar a aniquilar as parcas reminiscências das lutas operárias nesta
capital. Está mais que na hora destas reminiscências serem trazidas novamente a
tona, para que a cidade conheça o seu próprio passado, não apenas a partir de
uma perspectiva de suas elites. A história dos trabalhadores deve se tornar
visível no espaço público e o debate sobre revitalização destas zonas de Porto
Alegre oferece um bom ensejo para o início destas ações.