RESUMOS
EXPANDIDOS DAS SESSÕES COORDENADAS
Dia
27/10/2015 – Terça-feira
15h45 às
17h30 – Sessão Coordenada
08
TRABALHO, MENORES E MULHERES
COORDENADOR:
PROF. DRA. GIOVANA XAVIER
(UFRJ)
"Artifices
habeis e perfeitamente educados" - os menores aprendizes das oficinas do
Arsenal de Guerra de Porto Alegre (1860- 1870)
Maicon
Lopes dos Santos (Graduado em
História - Unilasalle)
Palavras-chave: menores aprendizes - arsenal de guerra - história social
Resumo
expandido:
O presente trabalho foca-se no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, que
foi no século XIX, uma importante instituição militar de apoio e confecção de
materiais para o exército. Tendo suas próprias oficinas, com mestres, operários
e aprendizes. Estes menores aprendizes, inseridos dentro do contexto militar e
social da época, eram até o presente momento, apenas números nas páginas das
fontes do Fundo Arsenal de Guerra, existente no Arquivo Histórico do Rio Grande
do Sul, que dentro da perspectiva da história social buscamos resgatar o percurso
destes agentes históricos. O objetivo deste trabalho é analisar a conjuntura
social da época e os mecanismos de entrada de menores, repressão e resistência
dos meninos dentro da instituição militar, através de correspondências, ofícios
e mapas estatísticos do Fundo Arsenal de Guerra, na legislação e relatórios dos
presidentes da Província disponível no AHRS. Dentro de uma abordagem micro
analítica, buscamos compreender o funcionamento deste mecanismo de
assistencialismo a órfãos, expostos, indígenas e crianças pobres, e as suas
estruturas e relações com os poderes provinciais e militares do período. No ano
de 1774, na então nova capital do Rio Grande do Sul, o Arsenal de Guerra de
Porto Alegre começa a ser construído no lugar denominado “Praia do Arsenal”, ou
seja, uma zona litorânea do extremo da península, pela Rua da Praia, até a
Igreja das Dores(OLIVEIRA,1985: 53.). Período em que a necessidade de
manutenção e apoio ao exército brasileiro no sul do país era de grande
importância devido às campanhas de conquista da então chamada Província
Cisplatina, atual Uruguai. O Arsenal de Guerra de Porto Alegre, como
instituição militar foi criado por ordem do governo Imperial pela lei de 21 de
Fevereiro de 1832, onde implantou regulamentos administrativos para os Arsenais,
da Corte, no Rio de Janeiro, e no Pará, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, e
Mato Grosso Regulamento datado de 21 de fevereiro de 1832(GERTZE, 1990: 228).
Dentro deste regulamento, estavam as condições de admissão de menores na
condição de aprendizes, determinando o número de meninos, e os segmentos de
cada um pertencentes as camadas mais carentes da população: os filhos de pais
pobres, indígenas os órfãos indigentes e expostos. No Arsenal de Guerra de
Porto Alegre existiam duas classes de menores aprendizes, a Classe Geral,
regida e mantida pelos cofres Imperiais, e a Classe Provincial, mantida pelos
cofres públicos da província. Eram admitidos nestas instituições crianças dos
oito aos doze anos de idade, conforme o regulamento de 25 de Fevereiro de 1848
(SCHNEIDER, 1993: 94). Nossa pesquisa se concentrou na década de 1860, onde
através de um estudo analítico das fontes primárias, analisamos exemplos do
cotidiano desta instituição militar. Buscamos através de documentos, escritos
por homens à frente da instituição militar, que controlavam os menores,
identificar os diferentes mecanismos de sobrevivência, resistência e práticas
sociais no cotidiano destes menores, como agentes históricos ativos na
sociedade porto alegrense do século XIX.
O ato de internar as crianças para o aprendizado, não era somente uma prática para expostos, ou órfãos. Através das fontes consultadas, comprovamos ser uma prática comum na época para pais, mães, avós, tios e tutores legais, que não tendo condições de manterem e dar subsistência para os meninos enviavam requerimentos ao diretor do Arsenal de Guerra, em que suplicavam e pediam, para seus filhos e educandos serem admitidos na instituição. Mais do que dados, estas informações, com o devido tempo e pesquisa mais aprofundados, nos mostrarão quais caminhos foram percorridos por estes meninos, que aprendiam e mais tarde exerciam uma profissão e eram considerados úteis ao Estado. Percebemos isto, ao nos depararmos com o que lhes eram ensinados, como consta nos relatórios anuais do diretor do Arsenal ao Presidente da Província, informando não só os números de aprendizes, mas também suas profissões, como no ano de 1863, onde constava no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, 2 aprendizes de alfaiate, 23 aprendizes de carpinteiro, 13 aprendizes de correeiro e sapateiro, 7 de funileiros e 7 de latoeiro, que dentre destes ainda 9 estudavam.
Nem todos os meninos aprendizes, iam de livre espontânea vontade e obedeciam aos mandos do pedagogo responsável por sua educação, igualmente como ocorre no Mato Grosso, em Porto Alegre, também contamos com insubordinações como no caso do menor da Classe Geral João Evangelista, que portando-se desrespeitosamente para com o pedagogo José Amaro de Miranda, e inflando seus colegas aprendizes para não mais obedecerem a seus superiores, foi castigado e repreendido pelo mesmo pedagogo que não excedeu de vinte e tantas palmadas, como consta no documento do Arsenal de Guerra de 18 de Agosto de 1860.
Fugas também eram reprendidas, pois com a concessão de licenças para visitar seus familiares, temos casos de menores que não mais retornavam para o Arsenal de Guerra, sendo muitas vezes, solicitados e procurados pela própria policia, e é nestes relatórios, onde consta seus dados que podemos ter informações importantes sobre os mesmos. A análise destes documentos e casos, aqui apresentados, são apenas iniciais e necessitam de uma pesquisa mais detalhada, mas, servem para dar um panorama sobre o Arsenal de Guerra de Porto Alegre e as suas escolas de Aprendizes, que com um modelo de instituição militar, mantinha sob a sua tutela, expostos, órfãos, indígenas e crianças carentes da Porto Alegre do século XIX, pois a instituição foi mantida até o ano de 1882, onde foi extinta por deliberação da Assembleia Legislativa. Instituição esta que foi o palco para o aprendizado de centenas de jovens sul rio-grandenses, e de mais de diversos brasileiros, espalhados pelos Arsenais de Guerra do país, onde carece uma pesquisa historiográfica mais detalhada, para trazer a luz da historia, estes personagens até então esquecidos da história tradicional, mas que foram agentes de seu meio social, ativos em condutas e práticas que através de uma farta documentação, e do olhar crítico do historiador, possam ser narradas e inseridas nas páginas da história do Brasil.
O ato de internar as crianças para o aprendizado, não era somente uma prática para expostos, ou órfãos. Através das fontes consultadas, comprovamos ser uma prática comum na época para pais, mães, avós, tios e tutores legais, que não tendo condições de manterem e dar subsistência para os meninos enviavam requerimentos ao diretor do Arsenal de Guerra, em que suplicavam e pediam, para seus filhos e educandos serem admitidos na instituição. Mais do que dados, estas informações, com o devido tempo e pesquisa mais aprofundados, nos mostrarão quais caminhos foram percorridos por estes meninos, que aprendiam e mais tarde exerciam uma profissão e eram considerados úteis ao Estado. Percebemos isto, ao nos depararmos com o que lhes eram ensinados, como consta nos relatórios anuais do diretor do Arsenal ao Presidente da Província, informando não só os números de aprendizes, mas também suas profissões, como no ano de 1863, onde constava no Arsenal de Guerra de Porto Alegre, 2 aprendizes de alfaiate, 23 aprendizes de carpinteiro, 13 aprendizes de correeiro e sapateiro, 7 de funileiros e 7 de latoeiro, que dentre destes ainda 9 estudavam.
Nem todos os meninos aprendizes, iam de livre espontânea vontade e obedeciam aos mandos do pedagogo responsável por sua educação, igualmente como ocorre no Mato Grosso, em Porto Alegre, também contamos com insubordinações como no caso do menor da Classe Geral João Evangelista, que portando-se desrespeitosamente para com o pedagogo José Amaro de Miranda, e inflando seus colegas aprendizes para não mais obedecerem a seus superiores, foi castigado e repreendido pelo mesmo pedagogo que não excedeu de vinte e tantas palmadas, como consta no documento do Arsenal de Guerra de 18 de Agosto de 1860.
Fugas também eram reprendidas, pois com a concessão de licenças para visitar seus familiares, temos casos de menores que não mais retornavam para o Arsenal de Guerra, sendo muitas vezes, solicitados e procurados pela própria policia, e é nestes relatórios, onde consta seus dados que podemos ter informações importantes sobre os mesmos. A análise destes documentos e casos, aqui apresentados, são apenas iniciais e necessitam de uma pesquisa mais detalhada, mas, servem para dar um panorama sobre o Arsenal de Guerra de Porto Alegre e as suas escolas de Aprendizes, que com um modelo de instituição militar, mantinha sob a sua tutela, expostos, órfãos, indígenas e crianças carentes da Porto Alegre do século XIX, pois a instituição foi mantida até o ano de 1882, onde foi extinta por deliberação da Assembleia Legislativa. Instituição esta que foi o palco para o aprendizado de centenas de jovens sul rio-grandenses, e de mais de diversos brasileiros, espalhados pelos Arsenais de Guerra do país, onde carece uma pesquisa historiográfica mais detalhada, para trazer a luz da historia, estes personagens até então esquecidos da história tradicional, mas que foram agentes de seu meio social, ativos em condutas e práticas que através de uma farta documentação, e do olhar crítico do historiador, possam ser narradas e inseridas nas páginas da história do Brasil.
Bibliografia:
GERTZE, Jurema M. Infância em Perigo: a assistência às crianças abandonadas em Porto Alegre: 1837-1880. Porto Alegre, 1990. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica – RS.
GERTZE, Jurema M. Infância em Perigo: a assistência às crianças abandonadas em Porto Alegre: 1837-1880. Porto Alegre, 1990. Dissertação (Mestrado em História), Pontifícia Universidade Católica – RS.
OLIVEIRA, Clóvis S. de. Porto
Alegre: a cidade e sua formação. Porto Alegre; Norma,1985.
SCHNEIDER, Regina P. A Instrução
Pública no Rio Grande do Sul (1770-1889). Porto Alegre: UFRGS/EST, 1993.
“Precisa-se de uma menina de 12 annos de idade
para cuidar de creança”: o trabalho infantil na Primeira República (Porto
Alegre/RS)
Lisiane Ribas Cruz (Mestranda em História - UNISINOS)
Palavras-chave: criança – trabalho - Primeira
República
Resumo
expandido:
A presente pesquisa propõe-se a analisar o trabalho exercido por menores
na cidade de Porto Alegre após a proclamação da Primeira República entre os
anos de 1889 até 1927. A capital do Rio Grande do Sul enfrentou mudanças com o
fim da abolição da escravatura e a chegada de imigrantes de diversas
nacionalidades. Além disso, com o crescimento de indústrias e comércios, a
cidade recebeu um contingente populacional maior na procura por funções
remuneradas, e em meio a esse contexto, o trabalho exercido por crianças foi
uma atividade costumeira para a sociedade porto alegrense, tanto que jornais de
maior circulação da época apresentam anúncios que solicitavam o trabalho de
meninos e meninas para diversas funções. A pesquisa desse artigo utilizou como
objeto de análise alguns dos jornais de maior circulação na região de Porto
Alegre, entre eles o Jornal do Comércio, Correio do Povo, Le Petit Jornal,
Gazeta do Comércio e Gazeta da Tarde. Os jornais que circulavam na capital
gaúcha nesse período mostravam uma gama de anúncios destinados a menores
aprendizes nos quais ofereciam-se diversos tipos de funções. Nesses exemplares
está registrada a idade, sexo e muitas vezes a cor da criança desejada pelo
contratante. Essa pesquisa tem por objetivo a identificação e análise de
características presentes nos anúncios, como o tipo de trabalho e remuneração,
demais atributos exigidos pelos empregadores e qual tipo de abordagem utilizada
nesses anúncios. Além dos jornais, documentos oriundos da policia e a
legislação vigente da época foram objetos de análise, sendo assim, também é
objetivo da pesquisa a compreensão das denúncias de abusos cometidos por
patrões, dos tratamentos dados aos menores pelo Patronato Agrícola Senador
Pinheiro Machado - escola profissionalizante agrícola - e pela legislação
vigente na época. Contudo, também é apresentado um estudo sobre os efeitos do
positivismo e da abolição da escravatura no decorrer da Primeira República,
sendo que as vagas oferecidas nos jornais analisados pediam de preferência
crianças de cor de pele “branca” ou de nacionalidade estrangeiras, levando ao
esquecimento a possibilidade de contratar os recém-libertos do trabalho
escravagista ou os descendentes desses. A preferência por mão de obra de
imigrantes foi maior do que pela procura de contratação dos descendentes de
escravos, como é afirmado por ZUBARAN, 2007. Porém, através de outros
pesquisadores, notamos que o trabalho de crianças negras se fez presente em
outras regiões do Rio Grande do Sul, como a região da cidade de Pelotas através
da pesquisa de DORNELLES, 1998. Na maioria dos anúncios que constam a idade,
está a preferência por meninas e meninos de 10 até 15 anos e a idade de 12 anos
aparece como predominante para ambos os gêneros. Para o sexo feminino, as
funções oferecidas estavam ligadas ao serviço doméstico, como constou na
maioria dos anúncios, trabalhos essas como, cuidar de crianças e serviços
dentro das casas de família. Entretanto, em um menor número de anúncios, há
solicitações de meninas em fábricas e indústrias. A conduta e a honra,
atributos tão valorizados pela sociedade na época, refletiam-se nas ofertas de
trabalho e nas exigências do comportamento das crianças e dos jovens
contratados pelos estabelecimentos. Através dos anúncios encontrados nos jornais,
nos deparamos com quais foram as funções oferecidas para os meninos: geralmente
solicitados por estabelecimentos comerciais, a maioria dos pedidos eram
destinados às funções de caixeiros, entregadores de recados e atendimento de
clientes. Além disso, o Patronato Agrícola Senador Pinheiro Machado selecionava
meninos pobres, de 10 até 14 anos, cujos pais não poderiam mais cuidar e manter
a tutela. O recorte temporal está relacionado com a Proclamação da República,
sendo importante considerar que o trabalho de menores já era costumeiro no
período imperial. Entretanto, com a transição do período, receberá novas
justificativas de juristas, educadores e governantes que consideraram o
trabalho de menores como ato benévolo e um caminho para a formação de cidadãos trabalhadores.
Através das correspondências policiais, denúncias foram registradas
evidenciando, assim, uma série de abusos cometidos contra crianças em ambientes
de trabalho. Devido a isso, visando à proteção dos menores, muitos movimentos
operários levaram em frente debates e protestos, exigindo a criação de leis e
normas voltadas para a proibição de certos abusos cometidos em fábricas e
comércios. Sendo assim, em 1927 foi criado o primeiro Código de Menores, no
qual foram garantidos direitos, como a proibição do trabalho para menores de 12
anos e para 14 anos que não estivessem alfabetizados. Também a lei se aplicava
na proibição de trabalhos noturnos e a uma série de fatores considerados
positivos para os menores, como comentado por SOARES, 2009. As fontes
apresentadas nessa pesquisa são ricas em detalhes e nos oportunizou uma maior
compreensão sobre a aceitação do trabalho infantil na Primeira República, pela
sociedade porto-alegrense. São fontes que possibilitam a formulação de várias
problemáticas e diversas formas de análise, que utilizadas juntamente com
outras fontes, possam contribuir para a historiografia dedicada à criança e a
juventude.
Referências:
DORNELLES, João Batista. Profissões exercidas pelos negros em Pelotas
(1905 - 1910). História em Revista, Pelotas, v.4, 95-138, dezembro/1998.
Disponível em:
<http://www2.ufpel.edu.br/ich/ndh/downloads/Joao_Dornelles_Volume_04.pdf>,
acessado em 30 nov 2014.
SOARES, Aline Mendes. “Precisa-se
de um pequeno”: o trabalho infantil no pós-abolição no Rio de Janeiro,
1888-1927. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, 25, 2009, Fortaleza. Anais do XXV
Simpósio Nacional de História – História e Ética. Fortaleza: ANPUH, 2009.
Disponível em: < http://anpuh.org/anais/?p=15550>, acessado em 30 nov
2014.
ZUBARAN, Maria Angélica. A
produção da identidade afro-brasileira no pós-abolição: Imprensa negra em
Porto Alegre (1902-1910). In: III Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil
Meridional, Florianópolis: 2007. Disponível em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/site/images/Textos3/maria%20angelica%20zubaran.pdf, acessado em 30 nov 2014.
Trabalhadoras,
Enfermas e Pobres: Condição de vida da mulher popular a partir dos Registros de
Matrícula Geral dos Enfermos da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre
(1889 – 1895).
Priscilla Almaleh (Mestranda em História - UNISINOS)
Palavras-chave:
mulher - Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre – popular
Resumo expandido:
Este
trabalho objetiva estudar as mulheres populares na cidade de Porto Alegre no
final do século XIX, usando como observatório fontes produzidas por uma
instituição voltada à caridade e ao atendimento médico. Este local era um lugar
de assistência, acolhimento e de sociabilidade de uma diversidade de pessoas de
faixas etárias, naturalidades, culturas, profissões e cores plurais. Trabalharemos
com os códices que registravam os pacientes que procuravam atendimento na Santa
Casa de Misericórdia de Porto Alegre (SCMPA), especificamente os registros de
matrícula geral dos enfermos (RMGE) de número 6 e 7, que abrangem os anos de
1889 e 1895, período marcado pela circulação de pensamentos positivistas, de
ordem moral e civilizatória, com os médicos higienistas procurando ditar regras
de conduta. Esta investigação contemplará métodos quantitativos e qualitativos
voltados ao trabalho e as condições de vida da mulher que frequentava esta
instituição. Para a realização da pesquisa quantitativa foi feita a transcrição
dos dados referentes aos livros de registros, para uma tabela de dados (Excel),
para fins de melhor aproveitamento dos mesmos. Foram transcritos 12.632 dados
referentes a todos os enfermos da SCMPA, independente do gênero, no período
abordado, sendo após feita uma filtragem apenas do gênero feminino, no total de
2.887 enfermas.
Até pouco tempo as mulheres foram excluídas da historiografia, como se não possuíssem uma história própria ou importância para a sociedade. Quando citadas, eram representadas pelas perspectivas dos homens, como eles as enxergavam, ou seja, geralmente personagens coadjuvantes subsumidas aos papéis que lhes foram reservados, de mãe, esposa e filha. Ou então, narrava-se a trajetória de mulheres excepcionais, que tinham se sobressaído por seus atos, portanto, não eram mulheres ditas “comuns”, populares, sem títulos ou riquezas. É importante considerar que identifico como populares todos aqueles que possuem algumas características comuns, como exemplo, a exclusão e a subordinação, definindo sua situação jurídica e seu perfil social ligado ao trabalho, entrelaçado com as condições de vida, estratégias de sobrevivência e bens materiais.
Portanto, se mesmo as mulheres das famílias de elite foram parcamente estudadas pela historiografia as mulheres populares ficaram fadadas ao esquecimento. Hoje, através das novas visões metodológicas sobre a história e suas fontes, conseguimos identificar a relativa autonomia que as mulheres em geral possuíam e mapeá-las a partir de recortes mais específicos, como os mundos do trabalho, estado civil e as próprias doenças as atingiam, auxiliando para identificar aspectos cruciais de suas vidas. Os RMGE nos traz um dado peculiar para este estudo - a cor do enfermo. De acordo com a historiadora Hebe Mattos (2013), a ausência de dados sobre a cor é recorrente nos documentos (principalmente judiciários) ao longo da segunda metade do século XIX e no imediato pós-abolição. Um dos possíveis motivos referentes a aparição das cores dos indivíduos nas fontes abordadas é a importância deste dado para o diagnóstico médico, pois a raça estava ligada ao surgimento e a probabilidade de algumas doenças. O final do século XIX, mais precisamente na década de 70, de acordo com Schwarcz (1993), representa o momento de entrada de um novo ideário positivista-evolucionista, em que os modelos raciais cumprem um papel fundamental, principalmente em um momento demarcado pelo fim da escravidão. Local de confronto, identidade e sobrevivência, o trabalho pode apresentar diversos significados, de acordo com cada pensamento e cultura. Trabalhar, no final do século XIX é sinônimo de civilidade, de enaltecimento. Aqueles que não se encaixavam nos padrões morais, eram vistos como ociosos, preguiçosos e vagabundos, no caso das mulheres ainda podiam ser enquadradas como mulheres de má reputação, vulgarmente conhecidas como prostitutas. Entre as profissões encontradas nos referidos anos, as ligadas aos serviços domésticos são as mais recorrentes, além de uma gama significativa de mulheres que não informam suas profissões ou não foram anotadas pelos funcionários. Podemos pensar que estas estavam inseridas no mundo do trabalho, porém, não declararam suas profissões, por motivos diversos. Esta declaração nula pode ser pensada como um trabalho ilícito, socialmente não aceito ou como uma rotatividade de ofícios diversos, sem especialização. O cotidiano feminino era cheio de espertezas e artimanhas. Sobreviver implicava a liberdade de circulação na cidade. A partir dos dados coletados na fonte observei que a maioria das mulheres observadas eram solteiras, o que não implica dizer que não estavam envolvidas em relações familiares, afetivas ou sexuais consensuais. As mulheres populares trabalhavam e garantiam sua independência, o fato de se amasiarem e não contraírem matrimonio, significava autonomia para a troca de parceiros quando estes não lhes auxiliavam ou agradavam mais. Porém, é importante ressaltar que o amasiamento não se confunde com encontros sexuais e afetivos passageiros, ele precisa de um certo tempo de duração e da aceitação e reconhecimento. O amasiamento gerava responsabilidade mútua perante o casal e uma relação pública.
Por fim, as mulheres e famílias populares forjavam estratégias próprias para gerar suas famílias ou para o próprio sustento, marcadas por preconceitos diários em várias esferas de sua vida. A doença está diretamente ligada às condições e o modo de vida dessas pessoas, onde a idade, os mundos do trabalho onde viviam e sobreviviam e os modos de vida pessoais contribuíam para possíveis contágios e, portanto, acabavam por se tratar na SCMPA, observatório desta pesquisa.
Até pouco tempo as mulheres foram excluídas da historiografia, como se não possuíssem uma história própria ou importância para a sociedade. Quando citadas, eram representadas pelas perspectivas dos homens, como eles as enxergavam, ou seja, geralmente personagens coadjuvantes subsumidas aos papéis que lhes foram reservados, de mãe, esposa e filha. Ou então, narrava-se a trajetória de mulheres excepcionais, que tinham se sobressaído por seus atos, portanto, não eram mulheres ditas “comuns”, populares, sem títulos ou riquezas. É importante considerar que identifico como populares todos aqueles que possuem algumas características comuns, como exemplo, a exclusão e a subordinação, definindo sua situação jurídica e seu perfil social ligado ao trabalho, entrelaçado com as condições de vida, estratégias de sobrevivência e bens materiais.
Portanto, se mesmo as mulheres das famílias de elite foram parcamente estudadas pela historiografia as mulheres populares ficaram fadadas ao esquecimento. Hoje, através das novas visões metodológicas sobre a história e suas fontes, conseguimos identificar a relativa autonomia que as mulheres em geral possuíam e mapeá-las a partir de recortes mais específicos, como os mundos do trabalho, estado civil e as próprias doenças as atingiam, auxiliando para identificar aspectos cruciais de suas vidas. Os RMGE nos traz um dado peculiar para este estudo - a cor do enfermo. De acordo com a historiadora Hebe Mattos (2013), a ausência de dados sobre a cor é recorrente nos documentos (principalmente judiciários) ao longo da segunda metade do século XIX e no imediato pós-abolição. Um dos possíveis motivos referentes a aparição das cores dos indivíduos nas fontes abordadas é a importância deste dado para o diagnóstico médico, pois a raça estava ligada ao surgimento e a probabilidade de algumas doenças. O final do século XIX, mais precisamente na década de 70, de acordo com Schwarcz (1993), representa o momento de entrada de um novo ideário positivista-evolucionista, em que os modelos raciais cumprem um papel fundamental, principalmente em um momento demarcado pelo fim da escravidão. Local de confronto, identidade e sobrevivência, o trabalho pode apresentar diversos significados, de acordo com cada pensamento e cultura. Trabalhar, no final do século XIX é sinônimo de civilidade, de enaltecimento. Aqueles que não se encaixavam nos padrões morais, eram vistos como ociosos, preguiçosos e vagabundos, no caso das mulheres ainda podiam ser enquadradas como mulheres de má reputação, vulgarmente conhecidas como prostitutas. Entre as profissões encontradas nos referidos anos, as ligadas aos serviços domésticos são as mais recorrentes, além de uma gama significativa de mulheres que não informam suas profissões ou não foram anotadas pelos funcionários. Podemos pensar que estas estavam inseridas no mundo do trabalho, porém, não declararam suas profissões, por motivos diversos. Esta declaração nula pode ser pensada como um trabalho ilícito, socialmente não aceito ou como uma rotatividade de ofícios diversos, sem especialização. O cotidiano feminino era cheio de espertezas e artimanhas. Sobreviver implicava a liberdade de circulação na cidade. A partir dos dados coletados na fonte observei que a maioria das mulheres observadas eram solteiras, o que não implica dizer que não estavam envolvidas em relações familiares, afetivas ou sexuais consensuais. As mulheres populares trabalhavam e garantiam sua independência, o fato de se amasiarem e não contraírem matrimonio, significava autonomia para a troca de parceiros quando estes não lhes auxiliavam ou agradavam mais. Porém, é importante ressaltar que o amasiamento não se confunde com encontros sexuais e afetivos passageiros, ele precisa de um certo tempo de duração e da aceitação e reconhecimento. O amasiamento gerava responsabilidade mútua perante o casal e uma relação pública.
Por fim, as mulheres e famílias populares forjavam estratégias próprias para gerar suas famílias ou para o próprio sustento, marcadas por preconceitos diários em várias esferas de sua vida. A doença está diretamente ligada às condições e o modo de vida dessas pessoas, onde a idade, os mundos do trabalho onde viviam e sobreviviam e os modos de vida pessoais contribuíam para possíveis contágios e, portanto, acabavam por se tratar na SCMPA, observatório desta pesquisa.
Referências:
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo – SP: Companhia das Letrasm 1996.
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na Corte imperial. São Paulo – SP: Companhia das Letrasm 1996.
COSTA, Ana Paula do Amaral. Criados de servir. Pelotas: Ed. Universitária UFPel, 2013.
DIAS, Maria Odila. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. SP: Brasiliense, 1995.
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência. Criadas e seus patrões no Rio de Janeiro (1860 - 1910). São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
DIAS, Maria Odila. Quotidiano e poder em São Paulo no século XIX. SP: Brasiliense, 1995.
GRAHAM, Sandra Lauderdale. Proteção e Obediência. Criadas e seus patrões no Rio de Janeiro (1860 - 1910). São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
LEITE, Miriam Moreira. A condição feminina no Rio de Janeiro século XIX. São Paulo, São
Paulo: Edusp, 1993.
MATTOS, Hebe. Das
cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista –
Brasil século XIX. São Paulo: Unicamp, 2013.
MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Entre o deboche e a rapina: os cenários sociais da criminalidade
popular em Porto Alegre. 1993. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2007.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os pobres da cidade. Porto Alegre: UFGRS, 1994,
___________. A emergência dos subalternos. Trabalho livre e ordem burguesa. Porto Alegre: UFRGS/FAPERGS, 1989.
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
___________. A emergência dos subalternos. Trabalho livre e ordem burguesa. Porto Alegre: UFRGS/FAPERGS, 1989.
RAGO, Luzia Margareth. Do cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: Brasil 1890-1930. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial
no Brasil 1870 - 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
WEBER, Beatriz Teixeira. As artes de curar: medicina, religião magia e positivismo na
República Rio-Grandense – 1889-1928. Santa Maria: UFSM, 1999.
Trabalho
doméstico: notas de pesquisa
Ana Paula do Amaral Costa (Doutoranda em História - UFRGS)
Palavras-chave: trabalho doméstico - anúncios - Rio GrandeResumo expandido:
A presente comunicação pretende apresentar alguns apontamentos sobre minha pesquisa de doutorado em história, referentes aos anúncios de oferta e procura relacionados ao mundo do trabalho doméstico na cidade do Rio Grande, durante as últimas décadas do século XIX. A respeito da formação do mercado de trabalho doméstico, o aumento populacional nos meios urbanos das cidades brasileiras impulsionou a elevação do número de criados de servir. Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Porto Alegre e Pelotas são algumas cidades que a historiografia privilegiou nas análises sobre anúncios de trabalho doméstico. Estudos direcionados a formação do mercado de trabalho doméstico, as exigências de boas referências, aos bons costumes e a honra dos criados de servir apontam, dentre outros fatores, um universo doméstico riquíssimo em representações sobre o trabalhador doméstico ideal. Ao analisar as publicações de anúncios sobre as atividades domésticas nos jornais da capital do Império, Flávia Souza discorre que “a partir dos anos 1870, as demandas relativas à prestação desse serviço, encontradas em conhecidos diários – como o Jornal do Comércio -, chegaram a constituir cerca de 70% do total de anúncios ligados ao mundo do trabalho que eram publicados”. Entretanto, “(...) mesmo antes da segunda metade do Oitocentos, as ofertas e as procuras referentes aos escravos domésticos – principalmente às cativas – já compreendiam a maior parte dos anúncios da escravidão” (SOUZA, 2012: p. 245). Partindo da análise de Souza, é possível destacar dois pontos de discussão dos estudos sobre o mundo do trabalho doméstico: a grande quantidade de trabalhadores, refletida nos anúncios, e a presença majoritária de mulheres no exercício de ocupações domésticas. Para a primeira metade do século XIX, Maciel Silva analisou os anúncios de acordo com a divisão entre trabalhos de “portas a fora” e de “portas adentro”. O autor coletou 2.289 anúncios do periódico Diário de Pernambuco no mês de março de cada ano entre 1840 e 1869, classificando os anúncios como: portas adentro, portas a fora, portas adentro e a fora ao mesmo tempo e não especificado. Ao analisar esta quantidade de material coletado, uma das observações de Silva aponta uma mudança ao longo do século XIX: diminuição do número de criados nas casas do Recife. Essa diminuição acarretava sobrecarga de funções para as criadas e, consequentemente, um aumento de criadas e criados exercendo atividades internas e externas para seus senhores ou patrões. Uma situação que também se apresentava em outros locais do Brasil. Outra preocupação de Silva, que também pode ser observada nos anúncios da cidade do Rio Grande, diz respeito à conduta dos criados. As referências a conduta aparecem com frequência nas expressões “bons costumes” e “conduta garantida”, presentes nos anúncios de Rio Grande. Esta comunicação pretende apresentar alguns apontamentos sobre os anúncios de oferta e procura referentes ao trabalho doméstico na cidade do Rio Grande, durante as últimas décadas do oitocentos. As leituras dos anúncios do periódico Echo do Sul possibilitam destacar alguns pontos sobre o trabalho doméstico: maior número de anúncios direcionados ao mundo do trabalho, presença majoritária das mulheres, exigências referentes a cor e variadas ocupações que englobavam a ampla categoria de trabalho denominada criados de servir. Esta variedade de serviços permite classificar os anúncios entre trabalhos de “portas a dentro” e de “portas a fora”, algo já observado pela historiografia que analisa o trabalho doméstico. Outro fator de extrema importância presente nos anúncios é o modelo desejável de trabalhador doméstico para o exercício no interior das residências dos senhores/patrões, as requisições dos anúncios direcionadas as criadas e aos criados eram povoadas por uma linguagem de atributos morais, disseminada na sociedade brasileira oitocentista, que englobavam questões relacionadas a cor. Estudos direcionados a formação do mercado de trabalho doméstico, as exigências de boas referências, aos bons costumes e a honra dos criados de servir apontam, dentre outros fatores, um universo doméstico riquíssimo em representações sobre o trabalhador doméstico ideal.
Os estudos referentes ao Rio de Janeiro, a São Paulo e ao Recife observam as representações do trabalhador ideal, presentes nos anúncios. Bons exemplos dessas análises são os trabalhos de Flávia Souza e de Maciel Silva. Ao analisar as publicações de anúncios sobre as atividades domésticas nos jornais da capital do Império, Souza discorre que “a partir dos anos 1870, as demandas relativas à prestação desse serviço, encontradas em conhecidos diários – como o Jornal do Comércio -, chegaram a constituir cerca de 70% do total de anúncios ligados ao mundo do trabalho que eram publicados” (SOUZA, 2012: 245). Para meados do século XIX, Silva analisou os anúncios de acordo com a divisão entre trabalhos de “portas a fora” e de “portas adentro”. O autor coletou 2.289 anúncios do periódico Diário de Pernambuco no mês de março de cada ano entre 1840 e 1869, classificando os anúncios como: portas adentro, portas a fora, portas adentro e a fora ao mesmo tempo e não especificado. Ao analisar esta quantidade de material coletado, uma das observações de Silva aponta uma mudança ao longo do século XIX: diminuição do número de criados nas casas do Recife. Essa redução acarretava sobrecarga de funções para as criadas e, consequentemente, um aumento de criadas e criados exercendo atividades internas e externas para seus senhores ou patrões (SILVA, 2011: 183). Uma situação que também se apresentava em outros locais do Brasil. Outra preocupação de Silva, que também pode ser observada nos anúncios da cidade do Rio Grande, diz respeito à conduta dos criados, algo que não era apenas uma apreensão para aqueles que desejavam alugar os seus escravos e para os que estavam à procura de criados para o exercício de tarefas em suas casas, os libertos e livres que ofertavam trabalho nas páginas dos jornais também tinham a preocupação com a honra e a conduta. As referências a conduta aparecem com frequência nas expressões “bons costumes” e “conduta garantida”, presentes nos anúncios de Rio Grande.
Os anúncios procurando e ofertando o trabalhador doméstico mostram as preocupações relacionadas a conduta dos criados, a pequena amostra dos anúncios de Rio Grande possibilita observar as exigências dos bons costumes e da conduta afiançada como requisitos para contratar ou alugar os trabalhadores.
Referências bibliográficas: SILVA, Maciel Carneiro. Pretas de honra: vida e trabalho de domésticas e vendedoras no Recife do século XIX (1840-1870). Recife/Salvador: Ed. Universitária da UFPE/EDUFBA, 2011.
SOUZA, Flávia. Escravas do lar: as mulheres negras e o trabalho doméstico na Corte Imperial. In: XAVIER, Giovana, FARIAS, Juliana e GOMES, Flávio (orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e no pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro, 2012, p. 244-260.