Sessão Coordenada 04 TRABALHO E POLÍTICA

RESUMOS EXPANDIDOS DAS SESSÕES COORDENADAS

Dia 26/10/2015 – Segunda-feira

16h às 17h45 – Sessão Coordenada 04
TRABALHO E POLÍTICA
COORDENADOR: PROF. DR. GLÁUCIA RAMOS KONRAD (UFSM)

Angelo las Heras: fragmentos de um anarquista e de seus desenhos combativos
Caroline Poletto (Doutoranda em História - UNISINOS)
Palavras-chave: Las Heras - imagens - anarquismo
Resumo expandido:
O presente texto pretende abordar aspectos da atuação militante do imigrante anarquista Ângelo de La Heras através da observação das suas composições visuais amplamente divulgadas pela imprensa libertária durante as três primeiras décadas do século XX, não apenas nos jornais gaúchos, mas também nos paulistas e através de demais suportes, como os folhetos, impressos em Barcelona e que circularam em Buenos Aires. Dessa forma, o presente estudo pretende resgatar traços tanto da trajetória do desenhista Ângelo de Las Heras como resgatar parte da obra imagética deste artista e apontar para o alcance internacional de suas composições visuais.
A composição mais difundida e famosa de Las Heras – a alegoria feminina pisando sobre os escombros da antiga sociedade e erguendo bravamente a tocha da sabedoria, anunciando a Nova Era, a Anarquia - foi encontrada em um dos folhetos depositados na Biblioteca Criolla (coleção particular do cientista alemão Lehmann-Nietsche que reúne folhetos, poemas e canções que circularam em Buenos Aires nas décadas iniciais do século XX) intitulado “El Cancionero Revolucionario”. De acordo com Gloria Chicote, sabe-se que esse folheto foi impresso em Barcelona em 1909 e é de autoria do artista (espanhol, francês, algeriano ou marroquino, não há consenso sobre sua nacionalidade nas fontes pesquisadas) Ângelo de Las Heras ou Lasheras, demonstrando assim a existência de uma importante rede de trocas na imprensa subalterna que englobava e conectava as cidades de Barcelona e Buenos Aires. Infelizmente, no artigo de Glória Chicote, não é mencionado o ano preciso em que esse folheto foi encontrado em Buenos Aires e coletado por Lehmann Nitsche, mas se acredita que ele tenha sido encontrado em solo portenho logo após sua impressão em Barcelona.
Mais curioso ainda é o fato de Angelo Las Heras ter vivido, praticamente quase toda a sua vida no Brasil (emigrou para esse país quando tinha apenas 3 anos de idade) e, tudo leva a crer, que realizava as atividades de propaganda ácrata desde as cidades brasileiras em que fixou residência, articulando uma rede de trocas que englobava tanto a Espanha (local de impressão de folhetos), a Argentina (local de distribuição dos impressos) e o Brasil (local de produção da iconografia). No Brasil, foi preso em 1936, quando foi acusado de realizar propaganda subversiva e a estabelecer contato e receber material de cunho libertário proveniente de outros países e, dessa forma, sendo considerado perigoso para o estado brasileiro. A imagem de Las Heras ganha popularidade no Brasil na década de 1930 e muitos autores acreditam que ela começou a circular apenas nesse momento, quando, na realidade, ela já se difundira vinte anos antes, através do folheto “El Cancionero Revolucionário”.  O próprio depoimento de Las Heras, quando de sua apreensão pela polícia brasileira em 1936, confunde as informações, uma vez que ele declara “só ter passado para as fileiras anarquistas há oito anos”, o que, evidentemente, é um falseamento da realidade, uma vez que o artista estava atuando conforme os princípios libertários desde, pelo menos, 1909, ano de impressão do “Cancionero Revolucionário”. No entanto, o desenhista estava ciente que, no material recolhido pela polícia, seu desenho estava estampado em jornais datados dos anos finais da década de 20 e iniciais da década de 30, de maneira que seu depoimento correspondia com as fontes policiais e poderia evitar sua possível expulsão do país, já que seria considerado um anarquista recente. É bastante provável que a polícia paulista não soubesse da existência do folheto “Cancionero Revolucionário” e nem das edições de jornais anteriores à década de 20 em que a imagem apareceu (edições essas que serão aqui abordadas). No mesmo ano da impressão do folheto, 1909, essa imagem de autoria de Las Heras já está sendo divulgada na imprensa libertária brasileira, mais especificamente no jornal A Luta de Porto Alegre, em um exemplar especial de 1º de Maio, o que demonstra a rápida circulação que essa alegoria teve nos veículos da imprensa libertária, bem como a aparição do desenho primeiramente num jornal gaúcho de caráter mais local e, somente alguns anos depois, nos jornais anticlericais e libertários paulistas. De forma que um provável caminho (porém não o único possível) percorrido por essa alegoria possa ser o seguinte: Barcelona, Buenos Aires, Porto Alegre e São Paulo. A composição gráfica de Las Heras é reproduzida novamente no periódico anticlerical paulista A Lanterna no primeiro de Maio do ano de 1916 e, outra vez mais, reproduzida nos anos de 1917 e 1927 no periódico anarquista paulista A Plebe; o que demonstra a grande circulação e repetição dessa imagem na imprensa operária (lembrando também da sua aparição na forma de folheto em Buenos Aires nas décadas iniciais do século XX). Além dessa constante circulação e permanência da imagem nas páginas da imprensa subversiva também é importante observar o fato de que, embora a imagem fosse a mesma, cada periódico modificava sua apresentação: seja através de incrementos ou supressões de elementos na imagem ou na mudança dos títulos e/ou das legendas que acompanhavam a representação iconográfica. Dessa forma, o presente texto pretende recuperar partes a obra do artista anarquista através da reconstrução dos prováveis caminhos por onde circulou uma das suas composições iconográficas mais famosas e recuperar uma das estratégias mais importantes da imprensa libertária: a utilização de imagens.

Classe Trabalhadora e Sindicato no Brasil dos anos 1930: A Luta e o viés sindical do Grupo Comunista Lenin até Liga Internacionalista Comunista
Roberto Borges Lisboa (Doutorando em História - UFSM)
Palavras-chave: movimento sindical - trotskistas - A Luta de Classe
Resumo expandido:
Este trabalho objetiva apresentar uma pequena parte dos resultados obtidos na dissertação de Mestrado aprovada no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) em março de 2013. Intitulada “Revolução e realidade Social na imprensa trotskista brasileira dos anos 1930”, a pesquisa procurou realizar um levantamento das fontes hemerográficas produzidas pelos dissidentes do Partido Comunista do Brasil (PCB) que aderiram às ideias do ex-dirigente bolchevique Leon Trotsky, assim como, problematizar os temas recorrentes debatidos nos jornais e boletins que editaram.
A seguir, intenta-se dissertar sobre questões que modificaram profundamente o movimento sindical e sua estrutura em relação à década de 1920. Apreendê-las historicamente, pois a estrutura sindical de traços fascistas que emerge nos anos 1930, não concentra todas as suas características de imediato, ela é erigida no contexto conturbado da política brasileira desses anos, eivado de arranjos e rearranjos políticos que atingem classes e frações de classe. Por conseguinte, acompanhar a atividade política trotskista no e com o movimento sindical permitirá perceber sua concepção e críticas às vicissitudes do referido movimento e a percepção daqueles acerca da legislação sindical no período.  Indica-se que a participação trotskista via Grupo Comunista Lenin e, em seguida, Liga Comunista no movimento sindical se fez presente desde o início dos anos 1930, apesar de uma frágil base constituída. De 1930 a 1933, os trotskistas tiveram sua intervenção sindical através do jornal A Luta de Classe e do Boletim da Oposição, publicações produzidas, sobretudo, para o esclarecimento dos militantes do PCB. Afinal, agiam como fração desse partido. Inicialmente, eles criticam os ziguezagues da política sindical comunista, sua concepção e sectarismo diante da oficialização sindical, no contexto da escalada bonapartista de Getúlio Vargas. Em contrapartida, definem a prioridade da luta econômica nos sindicatos por parte de seus militantes, imputando a mesma a funcionalidade de “ponte” à luta política. O partido é definido como “a consciência de classe concentrada”, “a vanguarda conscientemente revolucionária”, intervindo favoravelmente para o que entendem por “concepção marxista das relações recíprocas entre o partido, o sindicato e a classe. Assim, a sua crítica incide tanto sobre a concepção sindicalista de “negação mecânica de toda ligação entre o partido e o sindicato”, quanto a concepção do PCB de “predomínio automático e formal do partido diretamente sobre o sindicato”. Nesse ínterim, temas importantes são problematizados nas publicações trotskistas. As iniciativas do “Ministério da Revolução “, o “Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC), e, também, os debates sobre a “unidade sindical”, a situação dos sindicatos diante da oficialização e o fracasso dos mesmos na “Revolução Constitucionalista de 1932” indicam apenas parte do debate sindical e político no início dos anos 1930. Nesse período, eles dirigem um importante sindicato, a União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo (UTG), logrando importante inserção, também, entre os trabalhadores gráficos na cidade do Rio de Janeiro. A política sindical da UTG repercute o dilema do que fazer diante da política sindical do MTIC.  O ano de 1934 traz novidades ao movimento sindical brasileiro, os trotskistas já não atuam mais enquanto fração do PCB, no momento reivindicam-se propriamente como um partido político, a Liga Comunista Internacionalista (LCI). Ainda, o jornal A Luta de Classe continua a ecoar as consequências do decreto-lei que instituiu os sindicatos oficiais, a saber, “especialmente para elaborada para atenuar os conflitos de classe por meio da subordinação do proletariado ao aparelho do Estado, que seria o árbitro supremo nas pendências surgidas entre o patronato e as massas laboriosas descontroladas”. Mesmo assim, o sindicato livre foi apresentado como se estivesse “condenado a não passar de um fantasma”. Logo a adesão da UTG a oficialização sindical traria críticas tanto dos anarquistas quanto dos comunistas aos trotskistas que tomavam parte da direção sindical da UTG. Após a Constituinte de 1934, diante de uma burguesia paulista que se pautava pela liberdade dos sindicatos, admitindo o princípio da autonomia sob o regime de pluralidade sindical, os trotskistas criticaram os “manejos divisionistas da burguesia”, propondo a luta pela unidade sindical, “com a formação de fortes organismos federativos locais que possam ser a base de uma única CGT”, Central Geral dos Trabalhadores. No entanto, o ano seguinte traria consigo o fim de certa “normalidade institucional”, através da Lei de Segurança Nacional, a “Lei Monstro”. Com isso, o governo saído do golpe de Estado de outubro de 1930 mostrava sua forma mais acabada de “ditadura aberta e legal”. Outro componente importante para entender a crescente dificuldade no movimento sindical brasileiro são evidenciadas no momento seguinte ao fracasso do levante comunista em novembro de 1935. Apesar do aumento da intervenção repressiva do Estado ao movimento sindical, os trotskistas indicam reações pontuais do proletariado ante o terror policial no ano seguinte pela via da greve. No entanto, o ano de 1936 traz consigo cisões nas fileiras da LCI que, somadas a prisão de importantes militantes e a forte repressão às organizações de esquerda, ocasionam um hiato nas suas publicações de novembro de 1936 a dezembro de 1937, momento que a LCI se desarticula gradualmente até a fundação de um novo partido, o Partido Operário Leninista.  Concluindo, apesar da relativa inconstância dos jornais trotskistas, suas organizações políticas interviram ativamente nos principais debates do movimento sindical, criticando a postura, respectivamente, sindical e política de anarquistas e comunistas frente as investidas do MTIC para tutelar as organizações sindicais. No entanto, ressalta-se que os trotskistas também não obtiveram êxito a partir de suas propostas de organização da classe trabalhadora no contexto da escalada bonapartista dos anos 1930.

Lutas Políticas e Projetos Sociais Distintos dos Trabalhadores Brasileiros na Década de 1930: os Casos da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e da Ação Integralista Brasileira (AIB)
Diorge Alceno Konrad (Doutor em História - UFSM)
Palavras-chave: História do Trabalho - Aliança Nacional Libertadora - Ação Integralista Brasileira.
Resumo expandido:
Na década de 1930, o Brasil atravessava uma conjuntura política de radicalização das posições ideológicas. Muitos trabalhadores que haviam apoiado Vargas anteriormente passaram a chamar o Movimento de 1930 de “revolução traída”, dirigindo-se para a esquerda na Aliança Nacional Libertadora (ANL), ou para a direita na ação Integralista Brasileira (AIB). Naquela conjuntura, Getúlio Vargas e seus aliados defendiam a aprovação da Lei da Segurança Nacional (LSN) com consequente fechamento do regime constitucional, assim como a aprovação de direitos trabalhistas e sociais dentro da orientação corporativista; por sua vez, tendo a frente o clandestino Partido Comunista do Brasil (PCB), os setores aliancistas entremeavam a tática de classe contra classe com a de frente antifascista, organizando-se em frente ampla e popular e propondo reformas radicais no desenvolvimento capitalista no Brasil. Por outro lado, os integralistas também se inseriam entre os trabalhadores fortalecendo sua organização de tipo fascista Em um quadro de disputas políticas, a classe trabalhadora defendia seus direitos pela legislação trabalhista, bem como se organizava de variadas formas e dirigia greves econômicas e/ou políticas. Dito isto, o objetivo da comunicação é apresentar as formas de resistência e conquista de direitos e cidadania dos trabalhadores brasileiros, salientando a luta da classe entre dois projetos distintos no Brasil dos anos 1930: o integralismo da AIB e o aliancismo da ANL. Esta comunicação se justifica, sobretudo, porque, em 2015, se completam 80 anos da ANL no Brasil, em uma nova quadra histórica na qual, para quem compreende a História do Presente vinculada ao processo histórico do passado, é possível relacionar a disputa de diferentes projetos de classe que opõem setores da classe trabalhadora, tanto em 1935, como na atualidade. A metodologia deste trabalho insere-se entre as articulações da história e dos mundos do trabalho e suas relações com os movimentos sociais e políticos, através de uma abordagem totalizante, buscando as contradições e as lutas de classe em que os trabalhadores brasileiros se inseriram na década de 1930. As fontes desta pesquisa expressam, além da literatura sobre o tema: jornais da década de 1930 (como o Correio do Povo e o Diário de Notícias de Porto Alegre), que se encontram no Museu de Comunicação Social José Hipólito da Costa (MCSJHC/RS), e outros oriundos da Coleção Jornais Brasileiros (pesquisados no Arquivo Edgard Leuenroth AEL/UNICAMP); os fundos de história política do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas (Arquivo Getúlio Vargas, Arquivo Filinto Müller); os fundos Polícia, Documentação dos Governantes e Arquivos Particulares – Borges de Medeiros/Sinval Saldanha do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul – AHRS e; o prontuário Propaganda Comunista, localizado no Fundo DESPS, Setor Dossiês e o Fundo DOPS, Setor Comunismo do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro - APERJ. Os principais resultados desta pesquisa demonstram que os trabalhadores brasileiros da década de 1930 não podem apenas ser singularizados por sua origem de classe, mas pelas suas opções político-partidárias e ideológicas. Desta forma, encontrar trabalhadores organizados entre os aliancistas da ANL e os integralistas da AIB, além de outras correntes políticas, demonstra a diversidade de atuação, especialmente em um contexto em que a orientação em torno da consciência de classe e a diretiva centrada na consciência nacional colocava os trabalhadores em conflitos de classe e intraclasse.
Referências Bibliográficas:
CANCELLI, Elizabeth. Ação e repressão policial num circuito integrado internacionalmente. In. PANDOLFI, Dulce (Org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1999.
CAVALARI, Rosa Maria Feiteiro. Integralismo. Ideologia e organização de um partido de massa no Brasil (1932-1937). Bauru: Ed. da USC, 1999.
CARONE, Edgar. Brasil: anos de crise 1930-1944. São Paulo: Ática, 1991.
KONRAD, Diorge Alceno. 1935: a Aliança Nacional Libertadora no Rio Grande do Sul. Dissertação Mestrado em História do Brasil). Porto Alegre: PUC-RS, 1994.
________. Operários no Rio Grande do Sul (1930-1937): conflitos entre identidade nacional e identidade de classe. In. Os trabalhos e os dias. Ensaios de interpretação marxista. Passo Fundo: CEM/Ed. da UPF, 2000
________. O fantasma do medo: o Rio Grande do Sul, a repressão policial e os movimentos sócio-políticos (1930-1937). Tese (Doutorado em História Social do Trabalho). Campinas: IFCH-Unicamp, 2004.
PRESTES, Anita Leocádia. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora. Os caminhos da luta antifascista no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1997.
TRINDADE, Hélgio. Integralismo. O fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1979.
VIANNA, Marly de Almeida G. Revolucionários de 35: sonho e realidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
_______. A ANL (Aliança Nacional Libertadora). In. MAZZEO, Antônio Carlos; LAGOA, Maria Izabel (Orgs,). Corações vermelhos: os comunistas brasileiros no século XX. São Paulo: Cortez, 2003.
_______. O PCB, a ANL e as insurreições de novembro de 1935. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. Livro. 2. O tempo do nacional-estatismo. Do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Sindicalismo “Democrata”: O colaboracionismo de trabalhadores à serviço da Ditadura de Segurança Nacional
Yuri Rosa de Carvalho (Doutorando em História - UFSM)
Palavras-chave: Ditadura de Segurança Nacional – sindicalismo - colaboracionismo.
Resumo expandido:
A Ditadura de Segurança Nacional teve início com o Golpe de 31 de março de 1964, e a invasão do Sindicato do Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, ainda naquela fatídica noite, desfazia qualquer dúvida sobre o caráter do regime que estava começando a erguer seus pilares: a classe trabalhadora seria seu alvo.
Depois de intervir em sindicatos, cassar sindicalistas, impor uma legislação repressiva que tornava a histórica tática de resistência, a greve, como ilegal, criar um aparato de vigilância e controle, sistematizar “listas negras”, prender, sequestrar, torturar, assassinar e desaparecer com trabalhadores, ficava claro que um dos objetivos primários da Ditadura era desorganizar a classe trabalhadora que vinha numa ascensão de organização durante todo o período 1945-1964, exigindo maior participação política e mais justiça social, endossando, principalmente, mas não exclusivamente, o projeto político-social das Reformas de Base.
Entretanto, não teria tido o sucesso que teve em implantar seus mecanismos coercitivos entre a os trabalhadores, não fosse o colaboracionismo dos sindicalistas colaboracionistas. Ao contrário dos agentes infiltrados da repressão, disfarçados de trabalhadores para denunciar resistências ao nível de “chão de fábrica” e resistências das mais diversas, a atuação dos trabalhadores alinhas ideologicamente com a Ditadura de Segurança Nacional brasileira é bastante notória e clara, pelo menos entre os trabalhadores do período.
Como parte integrante do esquema de vigilância e monitoramento da classe trabalhadora, os sindicalistas colaboracionistas, com posse da função de interventores nos sindicatos e/ou beneficiados em eleições sindicais controladas pelo regime ditatorial, tiveram função fundamental na implantação e execução da lógica repressiva e coercitiva e vigilância, controle e punição implantado no pós-1964. Produziam, por exemplo, diversos tipos de ofícios que eram encaminhados ao DOPS, como listas de nomes dos trabalhadores que participariam de eleições sindicais, que deveriam ser checados pelo setor de inteligência da repressão, pedidos de autorização para a realização de assembleias ou reuniões descrevendo as pautas a serem debatidas e os nomes presentes, informações estas, relevantes para a atuação de agentes infiltrados, entre outros importantes dados levados à conhecimento da Ditadura. Um dos maiores exemplos é Joaquim dos Santos Andrade, conhecido como “Joaquinzão”. Se por um lado Joaquim Andrade foi um dos responsáveis pelo I Encontro Estadual dos Trabalhadores, tentativa de reorganizar os trabalhadores nos moldes da Doutrina de Segurança Nacional, e por ser o autor do único protesto pela morte do operário Manuel Fiel Filho em janeiro de 1976, o sindicalista também foi responsável por ser a cara do regime entre os trabalhadores do estado de São Paulo.
Durante mais de uma década, o “Joaquinzão” foi o represente dos interesses ditatoriais, e por consequência, do patronato, entre os trabalhadores de São Paulo, ajudando a desorganizar a classe trabalhadora e reforçando o controle social da época. Outros também serviram aos propósitos golpistas e ditatoriais.
Encontrado ostensivamente na documentação analisada foi o presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo, Geraldo Souza Pereira. Em julho de 1965 assinava um manifesto de campanha para a chapa única a qual encabeçava, no qual firmava os valores do sindicalismo “democrata”, essencialmente anticomunista e reconhecimento à suposta experiência sindical estadunidense como exemplo a ser seguido pelos trabalhadores do Brasil, em uma clara expressão dos interesses da Ditadura de Segurança Nacional, já praticadas pelas forças reacionárias da sociedade brasileira antes mesmo do Golpe através do complexo IPES/IBAD (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais/Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que, por meio de financiamento do capital estadunidense, procurava reorganizar a classe trabalhadora aos seus moldes, afastando-a da combatividade e de interesses próprios. Em julho de 1967, um manifesto em defesa da reeleição de Geraldo Souza Pereira, escrito de maneira anônima por “Ferroviários da Santos a Jundiaí”, associados do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de São Paulo, reforçava a imagem de anticomunista do sindicalista e o comprometimento de atuar a favor dos interesses do poder instituído.
Nele, fica claro o anticomunismo militante, a noção de um suposto “inimigo interno” presente entre as fileiras dos trabalhadores, que deveria ser erradicado, missão tomada para si por Geraldo Souza Pereira e sua chapa sindical, em muito reproduzem a DSN, mostrando afinidade com os interesses simbólicos e práticos do regime ditatorial. Não à toa, esse tipo de sindicalismo, por influência dos interventores e pressão de seus organizadores, prestava homenagens aos ditadores, numa teatralização do poder, onde o representante do Estado é celebrado. No dia 15 de junho de 1972 o jornal Cidade de Santos, noticiava que os sindicatos da região iriam homenagear o ditador Garrastazu Médici, tratado pelo jornal como “presidente” legitimo da República. Diz a notícia que no dia seguinte, partindo da sede da Secretária do Trabalho – o que simbolicamente é significativo – uma caravana de dirigentes sindicais – e não trabalhadores, importante salientar – partiu rumo à capital paulista, onde haveria uma homenagem ao líder do regime ditatorial.
Não há dúvidas que, sem os sindicalistas chamados “pelegos” por seus colegas trabalhadores à época, colaboracionistas dos interesses da Ditadura de Segurança Nacional, que serviam de primeira frente de vigilância, monitoramento e delação de trabalhadores de oposição política, haveria muito mais dificuldade em desorganizar a classe trabalhadora e as resistências postas em práticas teriam tido muito mais sucesso em se alastrar entre os trabalhadores antes do início da erosão desse sistema coercitivo com as greves de São Bernardo do Campo em 1979. Portanto, seu papel deve ser melhor avaliado, o peso de suas ações mensurado e a atuação do colaboracionismo do sindicalismo “democrata” deve ser mapeado e identificado. Se faz necessário aprofundar o conhecimento sobre as violências impostas pela Ditadura de Segurança Nacional aos trabalhadores, tema pouco abraçado pela academia, e para tal, é urgente que se caracterize e se delimite as fronteiras do que foi o colaboracionismo do sindicalismo “democrata”.

Ativismo militante de mulheres petistas na Santa Maria dos anos 1980: trajetórias individuais e cruzadas
Aline Silveira Flores (Mestranda em História - UFSM)
Palavras-chave: mulheres - Partido dos Trabalhadores - Santa Maria.
Resumo expandido:
Desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria, a pesquisa que apresentamos envolve o ativismo militante das mulheres petistas na cidade de Santa Maria dos anos 1980. Ela estende-se de parte do período de abertura lenta e gradual da Ditadura Civil-Militar no Brasil até o processo de redemocratização no país, das Diretas Já até a primeira eleição direta para o Executivo pós-ditadura. Em concordância ao período referido acima, mas reduzindo a escala de observação, ela perpassa o momento de formação do Partido dos Trabalhadores (PT) em Santa Maria (1982), o seu envolvimento na política da cidade e os encontros municipais com suas disputas. Essa pesquisa surge na tentativa de inversão de perspectivas históricas, procurando indicar a importância de não reduzir o ativismo militante de mulheres na participação nos processos políticos contemporâneos. Portanto, buscamos perceber a densidade da participação feminina na política partidária e local da cidade de Santa Maria. Partimos do entendimento que elas influíram na construção e formação do PT na cidade, assim como, participaram ao longo dos anos 1980 de diferentes movimentos sociais, procurando destacar a pauta feminista e desenvolver uma política de oposição à Ditadura Civil-Militar.
Essas mulheres propõem para a construção do partido bandeiras que defendem os interesses do movimento feminista, como a igualdade de sexos, a valorização da mão-de-obra feminina, melhores condições de trabalho, entre outras. Indica-se que o projeto de pesquisa aqui apresentado busca perceber essa relação partido / movimento no contexto de participação das mulheres petistas em Santa Maria. Daí a importância da realização de pesquisas que coloquem o ativismo militante feminino em lugar de destaque, contrariando a sua representação anterior na historiografia – ou a falta dela. Assim, busca-se identificar as trajetórias individuais destas ativistas e o encontro destas trajetórias no interior do partido e dos movimentos sociais em Santa Maria.
Ressaltamos a necessidade de advertir que a militância política no PT e a luta por mais espaços de intervenção e de formulação das demandas dessas mulheres apresenta-se de forma diferenciada. Concordando com Bensaïd (1999: 40.), é necessário enfatizar a relação desigual com ritmos e temporalidades próprios da questão de gênero ante a política geral, ou seja, o programa e a estratégia partidária. Não obstante, indicamos que as ativistas militantes, objeto da pesquisa, estão relacionadas à proposta de Benjamin (1994: 225-226) de “escovar a história a contrapelo”, na perspectiva da “tradição dos oprimidos”, onde o “estado de exceção” aparece como regra geral da sociedade. Apontamos que a pesquisa tem sido desenvolvida a partir da consulta das fontes hemerográficas localizadas no Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria (AHMSM), no jornal A Razão publicado ao longo dos anos 1980. A consulta deles importa, pois eles permitem identificar as militantes do PT que tiveram maior projeção política na cidade de Santa Maria e realizar um levantamento mais amplo das ativistas que militaram no referido partido.  O levantamento dessas ativistas faz parte do primeiro momento da pesquisa que busca identificar nomes, trajetória momentâneas e acontecimentos, episódios vinculados a sua participação no partido e na política local. Isto permitirá a realização de entrevistas com algumas das mulheres arroladas, partindo do entendimento de que as mesmas possibilitarão acessar os objetivos propostos pela pesquisa. Contudo, concordamos com Selau (2004: 221) quando indica a necessidade de “contrapor as informações obtidas no conjunto de entrevistas procurando evidenciar estes acontecimentos encontrados nas mesmas e também perceber as representações que os depoentes construíram sobre os mesmos e o modo como os vivenciou”. Neste sentido, o uso de fontes orais viabilizará a confecção de uma história que dê visibilidade ao ativismo político de mulheres, no caso as petistas, as suas trajetórias individuais no partido e o encontro destas no mesmo e nos movimentos sociais da cidade de Santa Maria. Concluindo, ressaltamos que em trabalho anterior – monografia aprovada no Curso de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) no dia 05 de dezembro de 2014 – foi constatado a participação de mulheres na formação e construção do PT e, também, o seu envolvimento com o movimento social “Mulheres em Movimento” na cidade de Santa Maria. No entanto, essa pesquisa quer interrogar sobre a importância deste ativismo militante na construção partidária, visto que os espaços políticos do período se mostravam majoritariamente masculinos. Neste sentido, aponta-se a hipótese inicial, de que as mulheres galgaram espaços pouco a pouco no partido, dando visibilidade a pauta feminista e ocupando espaços de poder no interior do partido em Santa Maria.
Referências Bibliográficas:
BENJAMIN, Walter. Magia E Técnica, Arte E Política. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BENSAÏD, Daniel. Marx, o intempestivo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
SELAU, Maurício da Silva. História Oral: Uma metodologia para o trabalho com fontes orais. In. Revista Esboços, UFSC, n. 11, 2004, p. 217-228.